Pragmatismo Político
Desgraça é
desgraça, descaso é descaso. Desgraças acontecem, mas parte delas poderia ser
prevenida, planejada, antecipada, informada, discutida, pitacada, pois não são
novidade. Nesses casos, o que é tragédia vira descaso e pode, inclusive, ser
alvo de responsabilização judicial. Ou, ao menos, eleitoral
Leonardo Sakamoto,
em seu sítio
Queria fazer uma
proposta: trocar a data das eleições municipais para o começo de cada ano,
quando as chuvas são mais frequentes em boa parte do país. Dessa forma, os
eleitores vão se lembrar que a cidade deles se transforma, anualmente, em uma
tigela de lama, água ou esgoto.
Aproveitei esses
dias de convalescência em casa para dar uma vasculhada em programas de governo
dos candidatos a prefeito de grandes cidades. Após a constatação óbvia de que
boa parte deles não tem nada que mereça ser batizado sob essa alcunha (talvez
como gibi, mas em muitos casos seria uma ofensa à Turma da Mônica), entre os
que já se dignaram a informar o eleitor o que pretendem fazer nos próximos
quatro anos são poucos os que citam propostas reais para mitigação do impacto
das chuvas. O que me leva a crer que político tem medo de água.
Poucas linhas foram
escritas nos programas sobre como evitar deslizamentos, soterramentos,
enchentes, inundações dentro, é claro, da competência da esfera municipal.
Aliás, pouco se escreve sobre programas de moradia que não seja o velho mimimi
da importância de erguer casas populares – tipo, “no meu governo, serei contra
o crime!”. Dã.
(Aos que reclamarão
que seus programas ainda serão lançados, uma pergunta: isso não deveria ter
sido feito antes da campanha começar?)
Aliás, pelo teor de
alguns discursos de candidatos, é mais provável que eles incluam, como política
de governo, rodas de oração visando à obtenção de apoio sobrenatural para que a
chuva caia com mais parcimônia.
Desgraça é
desgraça, descaso é descaso. Desgraças acontecem, mas parte delas poderia ser
prevenida, planejada, antecipada, informada, discutida, pitacada, pois não são
novidade. Nesses casos, o que é tragédia vira descaso e pode, inclusive, ser
alvo de responsabilização judicial. Ou, ao menos, eleitoral. Se a nossa
cidadania fosse exercida de fato.
Deixe a preguiça de
cidadão de lado e pergunte ao seu candidato o que o programa de governo dele
diz a respeito do assunto. Se ele começar com “veja bem, meu caro, você deve
considerar…”, “aqui na cidade de…”, “temos que considerar uma série de
elementos”, “quando eu era deputado federal…”, “essa é uma boa pergunta…”,
essas muletas de discurso para dar tempo de pensar em uma resposta minimamente
convincente, desconfie. A verdade é que parte deles não está preparado para
responder.
Também não vote em
partido de político que deu declaração idiota a respeito de desastres de
aguaceiro sob sua responsabilidade nos últimos tempos. “Precisamos de mais um
mandato para fazer as obras necessárias”, “choveu mais do que o esperado de
novo” e, o melhor de todos, ”não podemos controlar a vontade divina”. Claro que
não porque, se houvesse um ser onipotente e onisciente fazendo valer sua
vontade por aqui, certamente esse prefeito em questão não teria sido eleito.
É difícil falar de
chuva quando vemos bolas de feno rodando nas ruas de São Paulo devido ao tempo
seco feito cena de faroeste.
Ainda mais com uma
sociedade que, paradoxalmente, aceita que a discussão sobre religião seja
enfiada em nossa goela durante a campanha como tema central, mas não consegue
debater outros assuntos que não estejam visíveis e palpáveis. Como chuva em
tempo seco. Quando o assunto é poluição, o paulistano é ateu, não acredita nela
de maneira alguma. Mas, em questão de meses, as tempestades estarão aí de
volta. Enquanto que o retorno do Messias, até onde eu saiba, não está agendada.
Ocupação irregular,
planejamento, plano diretor, reforma urbana são expressões ouvidas apenas no
tempo úmido e não fazem sucesso durante as eleições. Na seca, evaporam do
léxico não só dos mandatários, mas também de pobres e ricos, que continuam
construindo, desmatando e poluindo. Suas razões são diferentes, mas o efeito é
o mesmo. Vale lembrar que tudo isso dito aí em cima não gera um voto, pelo
contrário: quem é o doador que vai ficar feliz por ter a construção de sua casa
em uma área de preservação ambiental embargada?
Com exceção dos
fanáticos religiosos que enxergam em tudo sinais do retorno do já citado
Messias, apenas os mais míopes ou os que professam sistemática má-fé não
concordam que o planeta está dando o troco. Não estou falando apenas do
aquecimento global e das já irreversíveis mudanças climáticas que vão gratinar
a Terra, mas também dos crimes ambientais que fomos acumulando debaixo do
tapete e que, agora, tornaram-se uma montanha pronta a nos soterrar. Exagero?
Um assessor do então presidente norte-americano George W. Bush, quando
questionado sobre a herança deixada às próximas gerações pelos gases geradores
de efeito estufa da indústria norte-americana, disse algo do tipo: “isso não
será um problema, porque Cristo voltará antes disso”.
Como já disse aqui,
considerando que quando há uma necessidade urbana os mais pobres são
rapidamente expulsos do lugar onde estavam para um lugar perto da esquina entre
o “não me encha o saco” com o “não me importa aonde”, é de se esperar que o
destino deles não reverberem nas urnas. Então, ninguém faz nada, só promete
meia dúzia de abobrinhas e faz cara de preocupado e de entendido.
Afinal, é de
discursos secos e empoeirados que vive boa parte de nossa política municipal.
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