sábado, 22 de setembro de 2012

Brasil - Leonardo Sakamoto: Por que não mudamos as eleições para o período de chuvas?

 

Pragmatismo Político
 
Desgraça é desgraça, descaso é descaso. Desgraças acontecem, mas parte delas poderia ser prevenida, planejada, antecipada, informada, discutida, pitacada, pois não são novidade. Nesses casos, o que é tragédia vira descaso e pode, inclusive, ser alvo de responsabilização judicial. Ou, ao menos, eleitoral
 
Leonardo Sakamoto, em seu sítio
 
Queria fazer uma proposta: trocar a data das eleições municipais para o começo de cada ano, quando as chuvas são mais frequentes em boa parte do país. Dessa forma, os eleitores vão se lembrar que a cidade deles se transforma, anualmente, em uma tigela de lama, água ou esgoto.
 
Aproveitei esses dias de convalescência em casa para dar uma vasculhada em programas de governo dos candidatos a prefeito de grandes cidades. Após a constatação óbvia de que boa parte deles não tem nada que mereça ser batizado sob essa alcunha (talvez como gibi, mas em muitos casos seria uma ofensa à Turma da Mônica), entre os que já se dignaram a informar o eleitor o que pretendem fazer nos próximos quatro anos são poucos os que citam propostas reais para mitigação do impacto das chuvas. O que me leva a crer que político tem medo de água.
 
Poucas linhas foram escritas nos programas sobre como evitar deslizamentos, soterramentos, enchentes, inundações dentro, é claro, da competência da esfera municipal. Aliás, pouco se escreve sobre programas de moradia que não seja o velho mimimi da importância de erguer casas populares – tipo, “no meu governo, serei contra o crime!”. Dã.
 
(Aos que reclamarão que seus programas ainda serão lançados, uma pergunta: isso não deveria ter sido feito antes da campanha começar?)
 
Aliás, pelo teor de alguns discursos de candidatos, é mais provável que eles incluam, como política de governo, rodas de oração visando à obtenção de apoio sobrenatural para que a chuva caia com mais parcimônia.
 
Desgraça é desgraça, descaso é descaso. Desgraças acontecem, mas parte delas poderia ser prevenida, planejada, antecipada, informada, discutida, pitacada, pois não são novidade. Nesses casos, o que é tragédia vira descaso e pode, inclusive, ser alvo de responsabilização judicial. Ou, ao menos, eleitoral. Se a nossa cidadania fosse exercida de fato.
 
Deixe a preguiça de cidadão de lado e pergunte ao seu candidato o que o programa de governo dele diz a respeito do assunto. Se ele começar com “veja bem, meu caro, você deve considerar…”, “aqui na cidade de…”, “temos que considerar uma série de elementos”, “quando eu era deputado federal…”, “essa é uma boa pergunta…”, essas muletas de discurso para dar tempo de pensar em uma resposta minimamente convincente, desconfie. A verdade é que parte deles não está preparado para responder.
 
Também não vote em partido de político que deu declaração idiota a respeito de desastres de aguaceiro sob sua responsabilidade nos últimos tempos. “Precisamos de mais um mandato para fazer as obras necessárias”, “choveu mais do que o esperado de novo” e, o melhor de todos, ”não podemos controlar a vontade divina”. Claro que não porque, se houvesse um ser onipotente e onisciente fazendo valer sua vontade por aqui, certamente esse prefeito em questão não teria sido eleito.
 
É difícil falar de chuva quando vemos bolas de feno rodando nas ruas de São Paulo devido ao tempo seco feito cena de faroeste.
 
Ainda mais com uma sociedade que, paradoxalmente, aceita que a discussão sobre religião seja enfiada em nossa goela durante a campanha como tema central, mas não consegue debater outros assuntos que não estejam visíveis e palpáveis. Como chuva em tempo seco. Quando o assunto é poluição, o paulistano é ateu, não acredita nela de maneira alguma. Mas, em questão de meses, as tempestades estarão aí de volta. Enquanto que o retorno do Messias, até onde eu saiba, não está agendada.
 
Ocupação irregular, planejamento, plano diretor, reforma urbana são expressões ouvidas apenas no tempo úmido e não fazem sucesso durante as eleições. Na seca, evaporam do léxico não só dos mandatários, mas também de pobres e ricos, que continuam construindo, desmatando e poluindo. Suas razões são diferentes, mas o efeito é o mesmo. Vale lembrar que tudo isso dito aí em cima não gera um voto, pelo contrário: quem é o doador que vai ficar feliz por ter a construção de sua casa em uma área de preservação ambiental embargada?
 
Com exceção dos fanáticos religiosos que enxergam em tudo sinais do retorno do já citado Messias, apenas os mais míopes ou os que professam sistemática má-fé não concordam que o planeta está dando o troco. Não estou falando apenas do aquecimento global e das já irreversíveis mudanças climáticas que vão gratinar a Terra, mas também dos crimes ambientais que fomos acumulando debaixo do tapete e que, agora, tornaram-se uma montanha pronta a nos soterrar. Exagero? Um assessor do então presidente norte-americano George W. Bush, quando questionado sobre a herança deixada às próximas gerações pelos gases geradores de efeito estufa da indústria norte-americana, disse algo do tipo: “isso não será um problema, porque Cristo voltará antes disso”.
 
Como já disse aqui, considerando que quando há uma necessidade urbana os mais pobres são rapidamente expulsos do lugar onde estavam para um lugar perto da esquina entre o “não me encha o saco” com o “não me importa aonde”, é de se esperar que o destino deles não reverberem nas urnas. Então, ninguém faz nada, só promete meia dúzia de abobrinhas e faz cara de preocupado e de entendido.
 
Afinal, é de discursos secos e empoeirados que vive boa parte de nossa política municipal.
 

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