Amparada por
vultosos empréstimos do governo brasileiro, a Odebrecht, maior empreiteira do
país, construiu em Angola um império empresarial que inclui negócios com
autoridades e investimentos anuais de mais de R$ 1 bilhão.
Maior empregadora
privada do país africano, com 20 mil funcionários, a companhia atua em Angola
nos setores de imóveis, hidrelétricas, diamantes, supermercados, petróleo,
biocombustíveis e aeroportos.
A empresa, porém, é
criticada por ativistas angolanos, que a acusam de manter "relações
promíscuas" com o alto escalão do governo angolano, chefiado há 33 anos
pelo presidente José Eduardo dos Santos. Em agosto, Dos Santos venceu as
eleições presidenciais e estenderá seu mandato até 2017.
Desde 2006, o BNDES
(Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) ofereceu US$ 3,2 bilhões
(R$ 6,4 bilhões) em empréstimos a companhias brasileiras em Angola. Dados
obtidos pela BBC Brasil com base na Lei de Acesso à Informação revelam que as
linhas de crédito financiaram 65 empreendimentos, dos quais 49% foram ou são
executados pela Odebrecht.
A Andrade
Gutierrez, segunda empresa da lista, é responsável por menos da metade dos
projetos da Odebrecht (18%), seguida por Queiroz Galvão (14%) e Camargo Corrêa
(9%). A Odebrecht conta com parte de uma nova linha de crédito do banco, de US$
2 bilhões, para manter o ritmo de investimentos em Angola, hoje entre US$ 500
milhões e US$ 600 milhões anuais (de R$ 1,1 bilhão a R$ 1,2 bilhão).
Generais e
vice-presidente
Num de seus investimentos prioritários em Angola, o projeto
Biocom, a Odebrecht tem como sócia uma empresa controlada por autoridades
angolanas. Ao custo de cerca de US$ 400 milhões (R$ 812 milhões), o projeto -
que não é financiado pelo BNDES - visa produzir açúcar, etanol e eletricidade a
partir de cana de açúcar. O complexo agroindustrial, que deve ser inaugurado em
2013, será gerido em sociedade entre a Odebrecht, a petrolífera estatal
Sonangol e a empresa Damer.
A Damer foi fundada
em 2007, meses antes da celebração do negócio, pelo vice-presidente eleito
angolano, Manuel Vicente, e pelos generais Leopoldino Fragoso do Nascimento
(Dino) e Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (Kopelipa). A Odebrecht não quis
comentar o papel das autoridades na joint-venture. Em nota à BBC Brasil, a
empresa diz que a Biocom "é um projeto de grande relevância para Angola e
tem por objetivo diminuir a dependência de importação de açúcar, criando
riqueza e empregos".
Em outro
investimento, a Odebrecht associou-se a filhos do presidente angolano. Iniciado
em 2005 e com licença para operar até 2012, o consórcio Muanga foi formado para
prospectar diamantes na província de Lunda-Norte em sociedade entre a
Odebrecht, a estatal diamantífera Endiama, a SDM - associação entre a Odebrecht
e a Endiama - e a Di Oro.
A Di Oro é uma
sociedade entre Welwitschea José dos Santos, José Eduardo Paulino dos Santos -
ambos filhos do presidente - e Hugo André Nobre Pêgo, genro do mandatário
angolano. "Relação especial" Segundo o ativista Rafael Marques de
Morais, criador do movimento anti-corrupção Maka Angola, a Di Oro tinha como
objeto social, até a assinatura do contrato, "a alta costura, modas e
confecções", além de serviços "para casamentos, coquetéis,
aniversários e brindes".
A Odebrecht diz que
a sociedade já foi extinta. "Tirando as petrolíferas, a Odebrecht é a
multinacional mais bem sucedida em Angola. Esse sucesso, num país extremamente
corrupto, deve-se à relação especial que ela mantém com o presidente da
República", diz Marques à BBC Brasil. O ativista afirma, no entanto, que o
rígido controle do Estado angolano exercido pelo presidente impede que
denúncias sobre a empresa sejam investigadas.
Marques acusa ainda
o governo de favorecer a Odebrecht em privatizações e na concessão de contratos
públicos. O caso da rede de supermercados Nosso Super é considerado
emblemático: em 2007, a Odebrecht foi contratada pelo governo para construir a
rede, com unidades em todas as 18 províncias do país.
Neste ano, o Nosso
Super foi privatizado, e a companhia brasileira assumiu sua gestão. Percepção
Questiona-se também a concessão à empresa de contratos que preveem amplos
pacotes de empreendimentos. Um dos projetos mais abrangentes concedidos à
empresa, o Vias de Luanda, consiste na construção de 32 mil quilômetros de
redes de água, esgoto, energia, iluminação, drenagem e comunicação na capital
angolana, além da arborização, gestão do lixo e da recuperação de avenidas,
calçadas e da sinalização urbana.
Segundo
especialistas em licitações, quanto mais extenso é um contrato, mais difícil
controlar seus gastos e prazos. Para o jornalista Reginaldo Silva, autor do
blog político Morro da Maianga, há em Angola uma "percepção
generalizada" de que a Odebrecht é beneficiada pelo governo. "A ideia
corrente é que a Odebrecht detém a maioria dos contratos em Angola em parte
pelas relações promíscuas que mantém com autoridades e, em parte, devemos
reconhecer, pela extraordinária capacidade técnica que desenvolveu."
Segundo ele, licitações para obras públicas no país são raras e, quando
ocorrem, "são só para inglês ver". Já a Odebrecht diz que "todas
as suas negociações com o Estado angolano pautam-se pelo cumprimento da legislação".
A empresa não se
pronunciou sobre a acusação de que mantém relações promíscuas com autoridades,
mas diz ter como cliente "a sociedade e o Estado, não um governo
específico". "Time do presidente" Além das relações comerciais
que mantém com autoridades, a Odebrecht pertence ao restrito círculo de
empresas que integram o Conselho Fiscal da Fundação Eduardo dos Santos (Fesa),
entidade privada criada pelo presidente em 1996.
A Fesa se diz uma
organização filantrópica, mas é acusada de servir a interesses privados de seu
patrono. A fundação mantém um braço empresarial, a Suninvest, e administra um
clube de futebol da primeira divisão do campeonato angolano, o Santos Futebol
Clube (cujo nome homenageia, ao mesmo tempo, o time brasileiro e o presidente
angolano). Em Angola, o Santos é conhecido entre alguns como "a equipe do
presidente", que é tido como um grande apreciador do futebol.
O clube constitui
outro elo entre José Eduardo dos Santos e a empresa brasileira: seus jogadores
treinam diariamente no centro logístico da Odebrecht em Luanda. A empresa
executa ainda as obras de expansão do centro de treinamento das categorias de
base do clube.
A BBC Brasil esteve
em agosto na área onde funcionários da companhia estão construindo dois campos
de futebol e novas instalações para o time. A Odebrecht diz, porém, que as
obras estão previstas em contrato regular de prestação de serviços. Segundo a
companhia, outras equipes de futebol já treinaram nas suas instalações, que
"têm papel relevante em atividades de lazer em Luanda".
Trata-se, no
entanto, de espaço fechado ao público: o repórter foi barrado à porta por
seguranças. A Odebrecht classifica a Fesa como "uma instituição
filantrópica e apartidária", que congrega outras empresas e "pessoas
representativas da comunidade angolana".
Além da companhia
brasileira, o conselho fiscal da fundação é integrado por três estatais
angolanas, a petrolífera Texaco, duas empreiteiras portuguesas (Mota-Engil e
Teixeira Duarte), uma consultoria libanesa (Dar Al-Handasah) e uma empresa
privada angolana (Sunenge). Segundo a Odebrecht, suas operações em Angola,
iniciadas há 28 anos, se pautam pela "responsabilidade social".
A empresa diz
promover "a transferência de tecnologia por meio da contratação e
associação com empresas locais" e afirma que 93% dos seus funcionários no
país são angolanos.
BBC Brasil
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