Hélder Xavier –
Verdade (mz) em Tema de Fundo
À mercê da chuva
que não cai desde o mês de Março, centenas de famílias são castigadas pela
fome, a pior das últimas décadas. Aliada a esta situação está a falta de água
potável e de emprego, que deixa a população à beira do desespero. Essa
realidade tem sido uma constante nos últimos anos em Muxúnguè. Nem o facto de
ter um grande potencial na produção de ananás e ser atravessado pela Estrada
Nacional número 1 faz daquele posto administrativo do distrito de Chibabava, em
Sofala, um local que proporciona uma boa qualidade de vida à comunidade local.
À porta da sua
residência, Elisa Fernando, cuja idade desconhece, ajeita a capulana para levar
nos braços a sua filha de dois anos de vida que chora insistentemente por
motivos desconhecidos pela progenitora. “Talvez seja por falta de comida ou de
água”, supõe.
Ela vive com o seu
marido, três filhos e dois sobrinhos numa pequena habitação de construção
precária no primeiro bairro do posto administrativo de Muxúnguè, no distrito de
Chibabava, província de Sofala.
A casa só ganha
essa designação devido às paredes de barro e cobertura de capim. No interior, a
debilidade das condições não deixa ninguém indiferente. À excepção de alguns
utensílios de cozinha e roupa pendurada na parede, a divisão está vazia. As
panelas espalhadas pelo chão denunciam um problema provocado pela falta de
chuva.
Diga-se, em abono
da verdade, que a falta de chuva já começa a deixar a família preocupada e sob
constante ameaça de não ter o que comer nos próximos dias. Há vários meses, o
pequeno pedaço de terra de Elisa não recebe precipitação suficiente que dê para
o cultivo.
Apesar de não se
lembrar da data do seu nascimento, ela recorda-se da última vez que choveu em
Muxúnguè. “Foi no princípio do ano passado e Março do ano em curso, desde então
nunca mais vimos sequer uma gota cair nestas terras”, conta. Para sobreviver, a
família foi obrigada a dedicar-se à comercialização de amêndoa da castanha de caju
na via pública.
Mas antes, o esposo
de Elisa foi à procura de emprego nas proximidades do posto. Sem experiência de
trabalho fora de uma machamba, ele bateu diversas portas, mas sem sucesso, até
porque trabalhar a terra é a única actividade que faz com esmero. Depois de três
meses, obteve um biscate. Lavrou um espaço de aproximadamente dois hectares e
ganhou 300 meticais, tendo retirado 200 para iniciar o negócio da amêndoa da
castanha de caju e com o remanescente adquiriu uma lata de milho para alimentar
a família.
Sentada rigidamente
no chão, Elisa descasca as castanhas assadas para retirar a amêndoa. As mãos
sujas revelam o esforço hercúleo de uma família que vive na insegurança
alimentar. “Adquirimos duas latas a 200 meticais e esperamos obter pelo menos
500 meticais”, diz com os olhos fixos na pedra que usa para descascar a
castanha de caju.
A fome já começa a
castigar a família de Elisa. Nos últimos meses, os membros daquele agregado
familiar comem muito menos do que necessitam para sobreviver. Ninguém sabe
ainda ao certo quando a situação vai mudar. Mas tudo indica que pode piorar,
pois não há sinais e, muito menos, previsão de que a chuva venha a cair nos
próximos dias.
Embora reconheçam a
situação, as autoridades locais preferem não dramatizar. “A actual situação do posto
é razoável”, considera Páscoa António Mambara, chefe do posto administrativo de
Muxúnguè, e acrescenta: “Este ano temos o problema da fome, uma vez que a chuva
não cai desde Março”.
A família de Elisa
é a regra, não a excepção na luta pelo sustento. É, diga-se de passagem,
difícil de calcular o sofrimento dessa população que depende exclusivamente da
agricultura para sobreviver.
Um ciclo vicioso
Em Muxúnguè, a fome
não é apenas previsível, também observa um ciclo regular, ou seja, a situação
acontece todas as vezes que a chuva não cai. Com uma população estimada em
64,039 habitantes distribuídos por quatro localidades, aquele posto
administrativo orgulha-se de gerar diversas culturas, com destaque para a
mapira e o milho, porém, é mais conhecido por um outro motivo: é um grande
produtor de ananás. Devido a essa capacidade, a cada ano que passa está a
ganhar maior projecção a nível da província de Sofala em particular, e no país
em geral.
Na campanha
passada, Muxungué produziu mais de 20 toneladas de ananás. A falta de mercado
continua a ser a principal dor de cabeça dos agricultores. Aliadas a essa
situação estão as precárias condições em que se encontram as estradas que têm vindo
a dificultar o escoamento. São os pequenos compradores que salvam a produção,
adquirindo a fruta para comercializar ao longo da Estrada Nacional número 1 e
noutros pontos do distrito de Chibabava.
A falta da chuva
afectou o cultivo do ananás, incluindo as plantas resistentes à seca. Mas a de
milho foi a mais prejudicada neste ano. A perda é difícil de calcular,
entretanto, os efeitos fizeram-se sentir na vida de Elisa e de outras centenas
de moradores daquele posto administrativo que presentemente procuram
alternativas para ganhar o sustento diário. Quem conseguiu obter algo, por
pouco que seja, da sua horta pode dar-se por feliz.
Por azar, há
pessoas que perderam quase tudo e somente com um golpe de sorte poderão
sobreviver à fome. A família de Elisa teve a sua pequena machamba destruída. À
espera da chuva que não cai desde Março, eles não tiveram outra alternativa
senão consumir o milho que havia sido guardado para lançar à terra na próxima
época. “Neste ano perdemos quase tudo devido à falta de chuva e vimo-nos
obrigados a recorrer ao celeiro”, afirma.
Falta água e
emprego
A falta de chuva
não está apenas a comprometer a produção em Muxúnguè como também está a deixar
preocupada a população no que respeita à água para o consumo. O acesso ao
precioso líquido ainda é um problema sério, apesar de a população, segundo a
chefe do posto, já não percorrer longas distâncias.
O posto
administrativo não dispõe de mais de 10 furos, razão pela qual é comum ver
muitas pessoas nesses locais à espera da sua vez para obter o preciso líquido.
Na maioria dos casos regressa à casa com o recipiente de 25 litros vazio, uma
vez que é frequente não jorrar dos poucos fontenários que existem.
Todos os dias,
sobretudo durante as manhãs e no fim da tarde, o cenário é este: dezenas de
homens, mulheres e crianças circulam pelo posto com diversos recipientes à
procura de água potável. Uns a pé e outros de bicicleta. É, na verdade, um
martírio que perdura há vários anos. “A situação já esteve péssima,
presentemente o governo da província criou condições para a população usufruir
de água”, afirma Páscoa Mambara.
Ao contrário de
água potável que existe mas não é suficiente, o mesmo não se pode dizer em
relação aos postos de trabalhos. Não há emprego em Muxúnguè. Nem no comércio
informal ao longo da N1 nem nas instituições públicas e/ou do Estado. Para
sobreviver, as pessoas são obrigados a migrar para a sede do distrito de
Chibabava, principalmente para a cidade da Beira. Grande parte da população
dedica-se à agricultura exclusivamente de subsistência.
Joaquim Maguiça, de
27 anos de idade, reclama que, apesar de Muxúnguè ser um importante interposto
do distrito de Chibabava, não lhe é dada a devida atenção. O resultado disso
manifesta-se no facto de que a população continua a minguar. A informação
segundo a qual será instalada uma fábrica de processamento de ananás naquela
região agrícola está a deixar os moradores animados, pois há perspectivas de a
unidade fabril vir a gerar diversos postos de trabalho para os jovens.
Há vários meses tem
vindo a ser avançada essa possibilidade. Porém, sem adiantar uma provável data,
a chefe daquele posto administrativo afirma que já estão criadas todas as
condições necessárias para a implantação da fábrica naquele ponto do país,
faltando apenas alguns procedimentos burocráticos.
“Brevemente teremos
a fábrica e será uma mais-valia para o nosso posto, uma vez que vai criar
postos de trabalho e os agricultores terão a quem vender a sua produção. Só
assim Muxúnguè poderá explorar as suas potencialidades na produção de ananás e
impor-se como uma região potencialmente agrícola”, diz.
Um crescimento
aparente
Há pouco mais 10
anos, o posto administrativo de Muxúnguè não dispunha de energia eléctrica,
fontes de água e serviços básicos de saúde. Presentemente, a sorte é outra.
Aquele pequeno povoado, constituído por quatro localidades, está a crescer. O
desenvolvimento é impulsionado pela electricidade e também pelo facto de ser
atravessado pela N1.
É naquela estrada
principal onde a vida económica local ganha fôlego. As pousadas, as pequenas
lojas, as barracas, o mercado, entre outros, encontram-se nessa via pública.
“Já temos energia de Cahora Bassa desde 2009, e é graças a isso que está a
desenvolver”, diz Mambara.
Mas ainda há muito
por ser feito. A título de exemplo, o posto não dispõe de uma única instituição
bancária sequer. A população e os agentes económicos têm de percorrer longas
distâncias para depositarem o seu dinheiro. Porém, os mais prejudicados são os
professores, os funcionários da saúde e os polícias que são obrigados a
efectuar uma viagem de mais de 350 quilómetros até a cidade da Beira para
levantar o salário. Todos os meses, eles abandonam os seus respectivos postos
de trabalho para ir consultar o saldo da sua conta bancária.
Grande parte viaja
apenas com o dinheiro para a passagem de ida, correndo o risco de não regressar
porque o ordenado ainda não entrou na conta bancária. Há relatos de professores
que tiveram de vender os seus próprios telemóveis para poderem voltar para
Muxúngue, uma vez que não dispõem de parentes na capital provincial de Sofala.
Reduzem os casos de
criminalidade
Antigamente, a
nível do distrito de Chibabava, Muxungué era conhecido por “terra de homens de
catana” devido aos inúmeros casos de criminalidade em que os malfeitores usavam
aquele tipo de arma branca para conseguir os seus intentos. Presentemente, já
não há um registo regular desses crimes.
O consumo excessivo
de bebidas alcoólicas, principalmente produzidas com base no caju, é que estava
na origem do alto índice de criminalidade naquele posto administrativo.
Presentemente, os casos mais frequentes têm a ver com furtos de cabritos e
ananás nas machambas.
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