Gazeta
Wyborcza, Varsóvia – Presseurop - imagem Len
A crise é um bom
momento para um exame de consciência. Se a guerra irrompesse hoje na Europa,
alguém estaria disposto a morrer pelas ideias de Schuman ou pelo método
comunitário de Monnet?
Alguma vez
ocorreria aos jovens polacos ou finlandeses sair para conviver com os amigos
levando uma T-shirt estampada com Jacques Delors? Supondo, claro, que alguém na
Europa estaria disposto a fabricá-la...
Está bem, a UE não
é muito sexy. Pessoas como o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão
Barroso, não têm hipótese nenhuma de bater Barack Obama ou Nelson Mandela, em
termos da resposta emocional que provocam na opinião pública. A UE não tem
rosto, não tem carisma, não tem exército, não tem sequer uma verdadeira
política externa comum. E no entanto, continua a ser um dos mais grandiosos e
ousados projetos políticos do mundo. E, pelo menos até agora, é uma enorme
história de sucesso.
Os norte-americanos
têm o seu "sonho americano" e, quando pegam numa nota de banco com a
efígie de George Washington, sentem que fazem parte desse sonho,
independentemente das suas simpatias políticas, estatuto social ou local de
nascimento. Um alemão ou um francês, ao que pegarem numa nota de cinco euros,
não sentem nada, até porque o "sonho europeu" foi inventado pelos
fundadores da União Europeia como um projeto político elitista.
O sonho europeu
nunca se tornou um sonho dos europeus. E contudo, as nossas conquistas – saúde
para todos, segurança social, uma economia de mercado socialmente responsável e
um louco (para culturas não-ocidentais) amor à liberdade – deviam deixar-nos orgulhosos.
Tudo isso nos une, na Europa, mais estreitamente do que as divisões de língua,
história, tradição, qualidade de vida ou ética de trabalho. A UE tem bandeira e
hino, mas não tem opinião pública europeia nem governo, ou sequer um jornal
verdadeiramente europeu.
Falta de interesse
em relação à Europa
E talvez nunca
venha a ter, porque os alemães, como os polacos ou os espanhóis, nunca deixarão
de ser alemães, espanhóis ou polacos, acima de tudo preocupados com as questões
da Alemanha, da Espanha ou da Polónia. Por isso, não é altura para criar os
Estados Unidos da Europa. A "federação de Estados-nação" que Durão
Barroso menciona é já, em grande parte, um facto; e temos de adaptar-nos à
ideia de que não há nenhuma possibilidade de uma real federação na Europa. Em
vez disso, tentemos devolver a UE aos seus cidadãos – transformemos a União
Europeia numa união de europeus.
O significado de
nos mantermos juntos tem de ser redescoberto. Os argumentos batidos de que a UE
assegura a paz e a prosperidade na Europa, verdadeiros em si mesmos, já não
bastam. Outro tratado e outra reforma institucional não vão salvar a União. A
integração não deve ser um objetivo em si mesmo. Tem de servir as pessoas. Os
europeus de hoje precisam de segurança social, trabalho e um contrato que
espelhe como vai ser a solidariedade – por exemplo, em termos de orçamento da
UE. É nisso que o debate sobre a futura União se deve centrar.
Daí que slogans
como "mais Europa", repetidos à exaustão pelos políticos europeus,
têm de se traduzir em aspetos reais: mais trabalho (o desemprego entre os
jovens cidadãos da UE é dramaticamente elevado), mais igualdade de
oportunidades, mais controlo sobre bancos e instituições financeiras, em última
análise sobre os governos, cujas políticas irresponsáveis contribuíram para a
crise da dívida.
Assim, apelos a
"mais Europa" não devem toldar a questão de saber se a atual crise
tem realmente de enterrar o modelo de Estado social europeu para sempre.
"Já o vimos no seu auge", dizem os seus opositores com maliciosa
satisfação; mas ainda não sabemos o que vai substituí-lo. Ou melhor, o que
queremos criar na Europa em sua substituição. O que irá substituir um sistema
que, por várias décadas, deu ao Ocidente a prosperidade e paz social a que os
polacos tanto aspiravam?
As respostas a
estas perguntas não devem ser exclusivamente marteladas nas negociações à porta
fechada, ou pior, surgir como uma função aleatória das disputas de eurocratas e
dirigentes que passam de uma “cimeira de salvação do euro” para outra. O facto
de não haver qualquer debate sobre a futura união dos europeus não é apenas
culpa dos políticos, ficando também a dever-se, em alguns países, a uma
profunda falta de interesse em relação à Europa.
O melhor lugar do
mundo
Há países na
Europa, como a Alemanha, em que o tribunal constitucional pode ser determinante
no debate democrático sobre a Europa. Mas em países onde as questões europeias
parecem menos urgentes, como a Polónia [o artigo é polaco], por exemplo, porque
não contribuem com milhares de milhões de dólares para salvar o euro, há um
risco crescente de que o défice de debate torne a UE cada vez mais distante e
estranha.
União política,
fiscal, bancária... Traduzir esses chavões para a linguagem quotidiana e
mostrar aos cidadãos como tais reformas vão afetar o mercado de trabalho, as
oportunidades para os jovens ou a forma como o dinheiro dos contribuintes é
gasto requer trabalho duro e insistente. Mas fazê-lo é dever dos políticos.
São os cidadãos
europeus que têm de aprovar as reformas e assumir o risco de potenciais
fracassos. O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, acaba de pedir
aos 27 governos dos Estados-membros questões específicas sobre o
desenvolvimento recomendado das reformas institucionais da UE.
A maior ameaça que
a UE enfrenta não é a crise da dívida nem o populismo antieuropeu, como
evidenciaram as recentes eleições holandesas, onde o pragmatismo prevaleceu
sobre a retórica anti-UE de Geert Wilders. A UE deixará de fazer sentido quando
as pessoas deixarem de acreditar nela. Cada um de nós deve colocar a si próprio
questões fundamentais – como o que significa a UE para mim e porque quero que
sobreviva.
Somos uma
comunidade de 500 mil milhões de pessoas, que vivem no que pode ser o melhor
lugar do mundo. Talvez as eleições de 2014 para o Parlamento Europeu sejam um
bom momento para perguntar aos europeus se querem continuar juntos ou se
preferem prosseguir cada um o caminho à sua maneira. Penso que não temos a
temer o resultado de um tal referendo.
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