sábado, 22 de setembro de 2012

SERÁ QUE ACREDITAMOS NA UNIÃO EUROPEIA?

 


Gazeta Wyborcza, Varsóvia – Presseurop -  imagem Len
 
A crise é um bom momento para um exame de consciência. Se a guerra irrompesse hoje na Europa, alguém estaria disposto a morrer pelas ideias de Schuman ou pelo método comunitário de Monnet?
 
 
Alguma vez ocorreria aos jovens polacos ou finlandeses sair para conviver com os amigos levando uma T-shirt estampada com Jacques Delors? Supondo, claro, que alguém na Europa estaria disposto a fabricá-la...
 
Está bem, a UE não é muito sexy. Pessoas como o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, não têm hipótese nenhuma de bater Barack Obama ou Nelson Mandela, em termos da resposta emocional que provocam na opinião pública. A UE não tem rosto, não tem carisma, não tem exército, não tem sequer uma verdadeira política externa comum. E no entanto, continua a ser um dos mais grandiosos e ousados projetos políticos do mundo. E, pelo menos até agora, é uma enorme história de sucesso.
 
Os norte-americanos têm o seu "sonho americano" e, quando pegam numa nota de banco com a efígie de George Washington, sentem que fazem parte desse sonho, independentemente das suas simpatias políticas, estatuto social ou local de nascimento. Um alemão ou um francês, ao que pegarem numa nota de cinco euros, não sentem nada, até porque o "sonho europeu" foi inventado pelos fundadores da União Europeia como um projeto político elitista.
 
O sonho europeu nunca se tornou um sonho dos europeus. E contudo, as nossas conquistas – saúde para todos, segurança social, uma economia de mercado socialmente responsável e um louco (para culturas não-ocidentais) amor à liberdade – deviam deixar-nos orgulhosos. Tudo isso nos une, na Europa, mais estreitamente do que as divisões de língua, história, tradição, qualidade de vida ou ética de trabalho. A UE tem bandeira e hino, mas não tem opinião pública europeia nem governo, ou sequer um jornal verdadeiramente europeu.
 
Falta de interesse em relação à Europa
 
E talvez nunca venha a ter, porque os alemães, como os polacos ou os espanhóis, nunca deixarão de ser alemães, espanhóis ou polacos, acima de tudo preocupados com as questões da Alemanha, da Espanha ou da Polónia. Por isso, não é altura para criar os Estados Unidos da Europa. A "federação de Estados-nação" que Durão Barroso menciona é já, em grande parte, um facto; e temos de adaptar-nos à ideia de que não há nenhuma possibilidade de uma real federação na Europa. Em vez disso, tentemos devolver a UE aos seus cidadãos – transformemos a União Europeia numa união de europeus.
 
O significado de nos mantermos juntos tem de ser redescoberto. Os argumentos batidos de que a UE assegura a paz e a prosperidade na Europa, verdadeiros em si mesmos, já não bastam. Outro tratado e outra reforma institucional não vão salvar a União. A integração não deve ser um objetivo em si mesmo. Tem de servir as pessoas. Os europeus de hoje precisam de segurança social, trabalho e um contrato que espelhe como vai ser a solidariedade – por exemplo, em termos de orçamento da UE. É nisso que o debate sobre a futura União se deve centrar.
 
Daí que slogans como "mais Europa", repetidos à exaustão pelos políticos europeus, têm de se traduzir em aspetos reais: mais trabalho (o desemprego entre os jovens cidadãos da UE é dramaticamente elevado), mais igualdade de oportunidades, mais controlo sobre bancos e instituições financeiras, em última análise sobre os governos, cujas políticas irresponsáveis contribuíram para a crise da dívida.
 
Assim, apelos a "mais Europa" não devem toldar a questão de saber se a atual crise tem realmente de enterrar o modelo de Estado social europeu para sempre. "Já o vimos no seu auge", dizem os seus opositores com maliciosa satisfação; mas ainda não sabemos o que vai substituí-lo. Ou melhor, o que queremos criar na Europa em sua substituição. O que irá substituir um sistema que, por várias décadas, deu ao Ocidente a prosperidade e paz social a que os polacos tanto aspiravam?
 
As respostas a estas perguntas não devem ser exclusivamente marteladas nas negociações à porta fechada, ou pior, surgir como uma função aleatória das disputas de eurocratas e dirigentes que passam de uma “cimeira de salvação do euro” para outra. O facto de não haver qualquer debate sobre a futura união dos europeus não é apenas culpa dos políticos, ficando também a dever-se, em alguns países, a uma profunda falta de interesse em relação à Europa.
 
O melhor lugar do mundo
 
Há países na Europa, como a Alemanha, em que o tribunal constitucional pode ser determinante no debate democrático sobre a Europa. Mas em países onde as questões europeias parecem menos urgentes, como a Polónia [o artigo é polaco], por exemplo, porque não contribuem com milhares de milhões de dólares para salvar o euro, há um risco crescente de que o défice de debate torne a UE cada vez mais distante e estranha.
 
União política, fiscal, bancária... Traduzir esses chavões para a linguagem quotidiana e mostrar aos cidadãos como tais reformas vão afetar o mercado de trabalho, as oportunidades para os jovens ou a forma como o dinheiro dos contribuintes é gasto requer trabalho duro e insistente. Mas fazê-lo é dever dos políticos.
 
São os cidadãos europeus que têm de aprovar as reformas e assumir o risco de potenciais fracassos. O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, acaba de pedir aos 27 governos dos Estados-membros questões específicas sobre o desenvolvimento recomendado das reformas institucionais da UE.
 
A maior ameaça que a UE enfrenta não é a crise da dívida nem o populismo antieuropeu, como evidenciaram as recentes eleições holandesas, onde o pragmatismo prevaleceu sobre a retórica anti-UE de Geert Wilders. A UE deixará de fazer sentido quando as pessoas deixarem de acreditar nela. Cada um de nós deve colocar a si próprio questões fundamentais – como o que significa a UE para mim e porque quero que sobreviva.
 
Somos uma comunidade de 500 mil milhões de pessoas, que vivem no que pode ser o melhor lugar do mundo. Talvez as eleições de 2014 para o Parlamento Europeu sejam um bom momento para perguntar aos europeus se querem continuar juntos ou se preferem prosseguir cada um o caminho à sua maneira. Penso que não temos a temer o resultado de um tal referendo.
 

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