MAURÍLIO
LUIELELE – MAKA ANGOLA – 28 setembro 2012
Caiu o pano sobre o
processo eleitoral. Ainda não foi desta que assistimos a um processo isento e,
por isso, mais uma vez, os resultados foram questionados. Nestas eleições a
contestação chegou ao Tribunal Constitucional (TC) o que revela a opção
irreversível pela democracia, único caminho para a coabitação harmoniosa na
diversidade política e sociocultural que caracteriza Angola.
O golpe desferido
desta vez contra a democracia foi simples, mas, contundente: por manipulação do
Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral (FICRE) milhões de angolanos
foram impedidos de votar, o que significa que, por omissão ou dolo, foi violado
o direito de sufrágio consagrado pela Constituição da República de Angola
(CRA). Parece-me ser esse o fulcro do diferendo que eclodiu destas eleições e é
sobre ele que recai a reflexão aqui debitada.
Com efeito, muitos
eleitores não puderam votar porque foram remetidos para assembleias longínquas,
nalguns casos fora do círculo eleitoral onde se registaram, mesmo tendo feito a
actualização do seu recenseamento. Tudo indica que isto resultou de acção
premeditada, e parece não haver dúvidas quanto à responsabilidade das entidades
encarregues do registo que, ao descumprirem os prazos legais para a divulgação
dos cadernos eleitorais, impossibilitaram a sua consulta antecipada pelos
eleitores para as devidas reclamações e correcções.
No acórdão do TC no
226/2012 sobressai a estratégia deste em desvalorizar as alegações da UNITA e
acatar como verdade absoluta o contraponto da Comissão Nacional Eleitoral
(CNE), escapando, portanto, ao princípio elementar de justiça, assente no
equilíbrio. Alegando que “o Recurso de Contencioso Eleitoral é um processo
especial e célere para o qual a Lei Orgânica sobre Eleições Gerais (LOEG)
estabelece regras gerais especiais em matéria de prova”, o Tribunal recusou-se
a conhecer os “elementos de prova” apresentados pela UNITA por terem sido
introduzidos depois do requerimento de recurso.
Na sua declaração
de voto (vencido) a juíza conselheira Maria da Imaculada Melo sustenta que o TC
“acabou por desvalorizar completamente o questionamento que se impunha sobre as
questões constitucionais e ligadas aos direitos fundamentais”. Defendendo que
“prosseguindo a justiça constitucional um interesse público, o conceito de
partes surge para facilitar a construção jurídica”, a juíza Melo considera que
“o tribunal deveria aceitar tais provas e analisar [as alegações]”.
O que está em
causa, afinal, são os direitos fundamentais, particularmente o direito de
eleger, que em democracia, figura como o direito político por excelência e, por
isso, como assinala a juíza, “deve contar com a garantia e o controlo da
constitucionalidade dos actos que lhe são inerentes por parte do Tribunal
Constitucional”. Melo lembra que “os direitos políticos fundamentais só devem
ser restringidos se os poderes que os restringem demonstrarem a prevalência do
bem ”. Ora, a restrição neste caso, decorre do incumprimento por parte da CNE
do prazo para a afixação das cópias dos cadernos de registo eleitoral nas sedes
das entidades registadoras, o que nos termos do Art. 46o da Lei sobre o Registo
Eleitoral (LRE), deveria ocorrer entre o 15º e 30º dia posteriores ao termo do
registo eleitoral. O acordão do TC em nenhum momento assume que a CNE não
cumpriu com os prazos legais estabelecidos.
Ao desperdiçar a
oportunidade de reflectir sobre a actuação da CNE, o TC preocupou-se mais em
protegê-la das alegações de irregularidade do que em salvaguardar a
constitucionalidade do processo eleitoral. Assim, perdeu uma oportunidade ímpar
de colocar alguns tijolos mais no edifício democrático que queremos construir,
enfraquecendo o processo ao invés de consolidá-lo.
As razões para que
o TC elegesse este caminho, mais fácil por sinal, conhecemo-las todos: há uma
densa colagem das instituições públicas ao partido no poder que mina a sua
imparcialidade e fere de morte o princípio da igualdade, tão claramente
defendido pela CRA. A prevalecer esta situação, dificilmente teremos eleições verdadeiramente
justas e, com isso, será muito difícil fazer vingar em Angola as virtudes do
Estado democrático de direito.
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