Evasão fiscal
João Ramos de
Almeida - Público
O despacho do
secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) que, em Outubro de 2011, veio
ao encontro dos interesses fiscais dos grupos económicos, foi dado ao arrepio
da Inspecção-Geral de Finanças
Na auditoria ao
sistema de controlo das deduções por dupla tributação dos lucros distribuídos -
que está desde Agosto de 2011 no gabinete do SEAF e ainda aguarda homologação -
a IGF considera que o método pelo qual o SEAF viria a optar meses depois não é o
mais transparente e não permite um maior controlo da evasão fiscal.
Só em 2008, foram 9635 milhões de euros de lucros de 1577 entidades por
tributar em IRC, com "impacto negativo" nas receitas fiscais. Foram
0,4% das sociedades que apresentaram deduções de 37% do lucro tributável e 49%
da matéria colectável do conjunto das empresas.
Há meses que o PÚBLICO tenta aceder ao relatório da IGF, mas o gabinete do
secretário de Estado impede esse acesso. O PÚBLICO tentou a intervenção da
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, mas a CADA considera que sem
homologação não é possível.
Em causa está como evitar que o lucro de uma sociedade, transferido como
dividendos para a sociedade-mãe, seja duplamente tributado.
Em plena crise de 2009, a questão tornou-se incómoda: a venda pela PT da
operadora brasileira "Vivo" gerou aos seus maiores accionistas 6 mil
milhões de euros isentos de impostos. Na altura, o Governo Sócrates mudou a
lei. Até Dezembro de 2010, metade dos dividendos eram deduzidos ao lucro
tributável quando provinham "de lucros que não tenham sido sujeitos a
tributação efectiva" e exceptuavam-se as SGPS. Com o OE de 2011, todos os
dividendos passaram a ser deduzidos só quando viessem de lucros "sujeitos
a tributação efectiva". E pôs-se fim à excepção das SGPS.
Mas a alteração nunca se aplicou. Faltava saber o que era "tributação
efectiva". Bastava qualquer pagamento de IRC algures na cadeia do grupo?
Era caricato, mas a aquisição de um carro, tributada autonomamente em 3 mil
euros, isentava milhões em dividendos.
A "batata quente" foi objecto de decisão da Direcção de Serviços de
IRC a 23 de Fevereiro de 2011 (informação 813/2011). Optava pela verificação
caso a caso e que os lucros distribuídos por SGPS isenta não eram
"tributação efectiva". Mas a nota foi remetida a 19 de Abril para o
Centro de Estudos Fiscais (CEF). O parecer ficou pronto a 25 de Maio, mas nada
foi decidido pelo anterior Governo. As 15 páginas ficaram à espera do Governo
Passos Coelho. Para SEAF, veio Paulo Núncio, militante do CDS, fiscalista e
sócio da sociedade de advogados Garrigues. Núncio não respondeu ao PÚBLICO se
tinha clientes que beneficiariam da sua decisão.
O parecer do CEF 26/2011 revelou opções contrárias às da DSIRC. Um dos seus
autores foi convidado para o gabinete do SEAF. Em Agosto, a IGF entregou o seu
relatório. Mas o documento nunca foi conhecido. No seu despacho de Outubro de
2011, o SEAF concordou com o parecer do CEF e as suas conclusões permitiram as
leituras entusiásticas de consultores de que tudo seria "tributação
efectiva". O entendimento é de que basta 1 euro tributado a montante para
isentar milhões.
O SEAF disse ao PÚBLICO que as recomendações da IGF "foram tidas em
conta" na circular 24/2011, baseada no parecer do CEF. Mas não respondeu à
crítica da IGF. E não divulga o relatório porque "está protegido pelo
dever de confidencialidade e sigilo fiscal".
O que diz o relatório da IGF
No entanto, no relatório de actividades do ano passado, agora publicado, a IGF
faz um resumo das suas conclusões. Diz que "a dedução por dupla tributação
económica é a mais expressiva de todas as deduções efectuadas" que reduzem
a parte do lucro que é tributada.
O "método da dedução ao rendimento previsto no Código do IRC tem tido um
impacto negativo em termos de receitas fiscais e tem suscitado grandes
dificuldades quanto à determinação da existência de tributação efectiva a
montante". Além disso, as sucessivas alterações à lei, supostamente para
"melhorar o método de dedução ao rendimento (...), tiveram efeitos
reduzidos ou nulos".
Essa ineficácia deveu-se à "falta de uma abordagem global e sistemática da
Autoridade Tributária, através da definição de critérios uniformes sobre as
situações". Mas também por "falta de uma actuação adequada da
inspecção tributária".
Por isso, a IGF "considerou justificar-se que fosse ponderada a adopção do
método de crédito de imposto, igualmente previsto na lei". Ou seja, a
solução que implica uma avaliação caso a caso e que se aproximava da pretendia
pela administração fiscal. Para a IGF, esse seria um método "mais
transparente, propiciador de maior justiça fiscal e o mais adequado do ponto de
vista do controlo das situações de evasão/erosão das receitas fiscais".
- imagem em É Fartar Vilanagem
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