António Borges
mentiu descaradamente quando afirmou que as despesas com pessoal na
Administração Pública representam 80% das despesas totais
Eugénio Rosa [*]
– Resistir.info
Um dos aspectos que
caracteriza o comportamento dos grandes órgãos da comunicação social em
Portugal, e mesmo de certos jornalistas, é o de promoverem personalidades de
direita em grandes autoridades sobre certas matérias para que depois as suas
opiniões sejam aceites pela opinião pública como verdades indiscutíveis. É um
processo clássico de manipulação da opinião pública, que Philippe Breton,
professor na Universidade de Paris-Sorbonne, no seu livro A Palavra
Manipulada designa por " argumento de autoridade " Segundo este
investigador, " este argumento baseia-se na confiança depositada numa
autoridade em nome do principio de que não podemos verificar por nós próprios
tudo quantos nos é apresentado " (2001:pág. 94).
Tudo isto vem a propósito de Antonio Borges, conselheiro do governo para as privatizações, bem pago com dinheiro dos contribuintes, que simultaneamente também é administrador da Jerónimo Martins. A comunicação social afeta ao governo tem procurado fazer passar este "senhor", junto da opinião pública, como um grande professor de economia e um experiente gestor (formado na escola da Goldman Sachs e do FMI). Por isso interessa analisar, até pela importância que ele tem junto deste governo, a credibilidade técnica e cientifica das afirmações do referido "senhor", nomeadamente as feitas no dia 29/9/2012; portanto, não é o aspecto se são ou não convenientes.
No I Fórum Empresarial do Algarve, em que participou, António Borges declarou à comunicação social que " a medida [Taxa Social Única (TSU)] é extremamente inteligente, acho que é. Os empresários que se apresentaram contra a medida são completamente ignorantes, não passariam do primeiro ano do meu curso na universidade " e, a propósito de baixar os salários nominais, que " as despesas com trabalhadores na Administração Pública representavam 80% das despesas Totais " (RTP, 29/9/2012). A primeira afirmação (ofender os patrões) provocou grande alarido na comunicação social, mas a segunda (ofender os trabalhadores) não causou qualquer reacção, apesar de ser mentira e ser repetida pelo patrão da Jerónimo Martins no dia seguinte nas declarações que fez no Telejornal das 13h da RTP, passando como verdadeiras e alimentando a campanha contra os trabalhadores da Função Pública. Por isso, iremos começar por elas.
As despesas com Pessoal nas Administrações Públicas (Central, Local e Regional) representam, em 2012, 21,3% das Despesas Totais das Administrações Públicas em Portugal, segundo dados do próprio Ministério das Finanças, e não 80% como afirmou António Borges, Em relação ao Estado, ou seja, a Administração Central, as despesas com Pessoal representam, em 2012, apenas 18,8% da Despesa Total. Se a analise for feita às "Remunerações certas e permanentes" conclui-se que, em 2012, as remunerações na Administração Central (Estado) representam apenas 14,5% das despesas totais do Estado. António Borges ao afirmar que elas representavam 80% revela ignorância total, e mostra que não conhece nem estuda minimamente os assuntos de que fala, estando mais interessado em utilizar a mentira na campanha contra os trabalhadores da Administração Pública com o objectivo de justificar os ataques do governo ao seus direitos e às suas condições de vida. São personalidades deste tipo, com este estofo técnico e ético, que certa comunicação social e certos jornalistas promovem a grandes autoridades.
A DESCIDA DAS CONTRIBUIÇÕES PATRONAIS PARA A SEGURANÇA SOCIAL NÃO ERA "UMA MEDIDA EXTREMAMENTE INTELIGENTE" COMO AFIRMOU ANTÓNIO BORGES
Se António Borges estudasse minimamente os assuntos de que fala, concluiria também que a diminuição da TSU (Taxa Social Única) paga pelas empresas para a Segurança Social não era uma medida inteligente, pois não teria quaisquer efeitos na competitividade das empresas, determinando apenas a transferência directa de 2.200 milhões € dos bolsos dos trabalhadores para os bolsos dos patrões, reduzindo a procura agregada, o que agravaria a situação económica e financeira de centenas de milhares de empresas que vivem do mercado interno. E para concluir isso bastaria que analisasse a estrutura de custos das empresas portuguesas. O quadro 2, construído com dados divulgados pelo INE sobre a estrutura de custos das empresas não financeiras em Portugal mostra, de uma forma quantificada, os reduzidos efeitos de tal medida.
ANTÓNIO BORGES É UM IGNORANTE E MENTIU DESCARADAMENTE QUANDO AFIRMOU QUE A DESPESA COM PESSOAL NA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA ERA 80% DA DESPESA TOTAL
O quadro 1, construído com dados constantes do Relatório que acompanhou a proposta de Orçamento do Estado para 2012 elaborado pelo actual governo, portanto dados oficiais, mostra que António Borges mentiu descaradamente quando afirmou que as despesas com Pessoal na Administração Pública representam 80% da despesa total
Se António Borges
conhecesse a estrutura de custos das empresas não financeiras portuguesas
saberia que uma redução de 5,75 pontos percentuais na taxa de contribuições
patronais para a Segurança Social (passar de 23,75% para 18%) provocaria uma
redução de apenas 1,1% nos custos totais das empresas portuguesas. Mesmo
entrando com efeitos indirectos, a redução situar-se, para as empresas
exportadoras, entre 1,5% e 2,4% (depende do sector), segundo cálculos que
fizemos utilizando os dados de um estudo divulgado pelo próprio governo em
2011. É evidente para todos os leitores que não seria com tal medida que se
aumentaria a competitividade das empresas portuguesas. E isto porque, por um
lado, tal redução de custos é irrisória e ridícula e, por outro lado, é facilmente
anulada com qualquer variação positiva (apreciação) da taxa de câmbio do euro.
Por ex., entre 30 de Agosto e 12 de Setembro de 2012, o euro valorizou-se em
2,3% em relação ao dólar, o que seria mais que suficiente para anular aquela
redução de custos. A única justificação que encontramos para as afirmações de
António Borges ao chamar ignorantes os empresários que se opuseram à baixa da
TSU das empresas à custa do aumento dos descontos pagos pelos trabalhadores, é
que eles poderiam meter no bolso assim, com a ajuda do próprio governo, 2.200
milhões € aumentando os seus lucros, e não quiseram. No entanto, António
Borges, se tivesse alguns conhecimentos consistentes de economia portuguesa
certamente saberia que mais uma redução da procura interna, quando a maioria
das empresas já não conseguem vender o pouco que produzem, teria consequências
dramáticas no tecido empresarial português, lançando muitos milhares de
empresas na falência e fazendo aumentar ainda mais o desemprego, o que
determinaria uma maior contracção do mercado interno. Mas esta
"economista", formado na escola da Goldman Sachs e do FMI,
transformado por certa comunicação social em "guru", parece não
conhecer este princípio elementar da economia.
Utilizando as próprias palavras de Antonio Borges, podia-se dizer com propriedade que seria o próprio António Borges que " não passaria no 1º ano de um curso de economia da universidade". No entanto, as afirmações de António Borges têm o mérito, como consequência da sua ingenuidade, de expressar publicamente, tornando assim claros para a opinião pública, os objectivos e a credibilidade técnica deste governo e desta maioria PSD/CDS.
30/Setembro/2012
[*] Economista, edr2@netcabo.pt
*Titulo PG
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