Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
Bloco de Esquerda e
Partido Comunista Português jogaram ontem o trunfo mais forte de todos no prazo
de validade de um ano parlamentar: anunciaram ambos moções de censura ao
Governo, mesmo antes de se conhecerem linhas gerais do Orçamento do Estado a
apresentar por Passos Coelho até 15 de outubro. Os partidos da franja canhota
partidária já não estão para esperar mais do mesmo, expressam vários sinais ao
proceder ao anúncio quase em simultâneo - sintoma de troca de impressões
prévias entre diretórios. E não se trata, sequer, de aproveitar a boleia
previsível do péssimo momento governamental e concomitante subida da
contestação popular...
Ao gastarem todos
os cartuchos de uma só vez, isto é, ao não gerirem o espaço de manobra de duas
moções de censura, optando antes por proceder ao voto favorável de ambas pelos
seus grupos parlamentares num mesmíssimo dia, Bloco de Esquerda e PCP - ou na
ordem inversa, para não se ferirem suscetibilidades, é indiferente...-
sinalizam de forma mais substancial uma tentativa (ou esboço) de entendimento à
Esquerda. PCP e Bloco de Esquerda - ou na ordem inversa, para não se ferirem
suscetibilidades, é indiferente...- sabem o comezinho: marcarão uma posição de
força capaz de continuar a fazê-los subir mais uns pontos percentuais nas
sondagens, mas o efeito prático será inconsequente quanto à capacidade de
influenciar o centro do poder. Os autores da censura e os que se lhe opõem
estão todos fartos de saber da existência de uma maioria na Assembleia da
República, constituída por PSD e CDS-PP, a qual é suscetível de sofrer
fissuras, mas nunca ao ponto de um grupo de deputados ousar colocar em causa a
disciplina de voto....
Bloquistas e
comunistas estão, ainda assim, à-vontade. Mostram mais uma vez dispor de coluna
vertebral e sempre podem ufanar-se de que mais vale uma derrota com princípios
do que uma vitória sustentada na batotice e nas piruetas....
Se as moções de
censura não deixarão de contribuir para a continuidade do processo de erosão do
Governo, há, porém, um dado não irrelevante, se calhar mesmo o de maior
significado no gesto político de PCP e Bloco: o ensanduichamento, chamemos-lhe
assim, do Partido Socialista.
Amarrado ao
memorando de entendimento assinado ao tempo de Sócrates, o atual poder
socialista ora tenta, uma e outra vez, distanciar-se dos mandamentos da troika,
ora mostra-se benevolente. Como diria o outro, António José Seguro é truculento
às segundas, quartas e sextas-feiras contra o diretório que nos evita a
formalização da bancarrota, e adocica o discurso às terças, quintas e sábados.
Pois bem: as moções de censura de PCP e BE visam encostar o PS às cordas,
criando além do mais uma fricção entre a chamada tralha socrática existente e
os outros. Percebe-se que o PS seja prudente. Afinal, com o recuo da TSU,
Seguro meteu igual moção de censura ao bolso e o voto contra reserva-o para o
Orçamento do Estado. Com mais ou menos turbulência, há sempre um
"nim" possível. As hostes socialistas apreciam a pose do sentido de
Estado.
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