Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Os deputados
aprovaram o Orçamento do Estado para 2013. Aprovaram uma lei sem o mínimo de
racionalidade económica, sem a mais remota possibilidade de atingir os
objectivos a que se propõe e com evidentes desconformidades constitucionais.
Aprovaram a obra dum pequeno grupo de aprendizes de feiticeiro que pensam que o
truque é só fazer desaparecer o coelho sem que seja preciso fazer nada para que
ele volte a aparecer. O problema é que aqui não há coelhos, mas sim pessoas.
Os deputados são
assim responsáveis pela aprovação dum documento que, a ser implementado,
arrasará o tecido económico do País, destruirá centenas de milhares de postos
de trabalho sem que construa um que seja, conduzirá à fuga em massa de jovens
portugueses para o estrangeiro, agravará enormemente o nosso problema de
desigualdade, provocará o de-saparecimento da classe média e fará com que as
instituições, entre outras os tribunais e repartições de finanças, deixem de
funcionar regularmente.
Sim, nessa altura
vai ser precisa uma refundação. Não uma refundação do acordo com a troika, não
uma refundação das funções do Estado, não uma refundação constitucional, mas
muito provavelmente uma refundação do próprio país. Não restarão senão
escombros dum trabalho de quarenta anos de democracia. É bem verdade, o que se
fez em Portugal desde o derrube da ditadura não foi brilhante, longe disso.
Podia ter-se feito muito melhor, sem dúvida. Mas não ver os enormes avanços,
esquecer as mudanças fundamentais, negar que nunca como nestas quase quatro
décadas se fez tanto por tantos é cegueira. É crime. E aquilo a que estamos a
assistir é a um plano para arrasar todo o trabalho desses anos.
Claro que seria
preciso, seria importante, repensar as funções do Estado. Mas como será possível
ter esse debate alcançar consensos, pensar soluções, numa altura em as pessoas
vão estar nas ruas a gritar que têm fome, que não têm emprego, que os seus
filhos emigraram? Sejamos honestos: a refundação é uma conversa oca. É uma
conversa de quem já percebeu que a receita em que tanto acreditou falhou, que
cada vez que se percebia que a coisa não estava a resultar achava que era
melhor aumentar a dose. De quem está desesperado sem nada para nos dizer ou
propor. Como será possível gente que todos os minutos prova não ser capaz de
governar um país refundar o que quer que seja? Como querem que acreditemos que
pessoas que não são capazes de explicar aos nossos credores que um país
destruído não pode gerar receitas para pagar dívidas sejam capazes de fundar o que
quer que seja ?
Esta é a parte que
diz respeito ao Governo. Mas voltemos aos deputados, aos homens e mulheres que
aprovaram esse crime lesa-pátria chamado Orçamento para 2013. Alguns, contra
todas as evidências, pensarão que este é um bom orçamento. São os únicos que,
apesar de estarem a contribuir para todas as desgraças que se avizinham,
merecem respeito. Não se refugiam hipocritamente, como alguns, por detrás do
inqualificável argumento de que ter um orçamento é melhor do que não ter
nenhum. Ou, outros, que dizem até lhes custa muito aprovar mas não há
alternativa. Como se a morte certa fosse alternativa, como se a loucura fosse
um caminho. Também não nos tentam enganar sempre a falar do passado, como se
erros passados justificassem crimes presentes. Acreditam no que estão a fazer
mas tentam proteger-se do que possa vir a acontecer. Enganam-se. Desta vez os
portugueses não se esquecerão: a devastação social, económica e política será
tão imensa que não irá existir português que não lembrará quem foram os
representantes do povo que autorizaram o que vamos viver.
Os deputados a quem
não podemos mesmo perdoar são os que sabem exactamente o que estão a fazer.
Sabem que este orçamento vai destruir o País e sabem as consequências dos seus
actos. Que dirão quando as suas convicções se materializarem, ou seja, quando o
caos se instalar? Sorrirão e dirão para os seus amigos que já sabiam?
É verdade, o nosso
sistema parlamentar, o nosso sistema eleitoral, não está baseado na liberdade
de voto dos deputados. Mas há uma liberdade que todos temos: é a de dizer que
não. E nunca foi tão importante dizer que não. Talvez arriscando a carreira,
talvez correndo riscos pessoais. Mas um homem ou mulher que não está disposto a
correr esses riscos, um homem ou mulher que não está disposto a sacrificar-se
em função da sua consciência e do mandato que o povo lhe deu, não serve para
político, não serve para representante do povo.
Estes traíram o seu
mandato. Pior, traíram-se a si próprios. E logo quando mais precisávamos deles.
Sem comentários:
Enviar um comentário