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Escudado num
misterioso estudo, “bem documentado”, o primeiro ministro informou-nos, esta
semana , que “os que têm mais rendimento são os que absorvem a maior parte dos
rendimentos redistribuídos pelo Estado”. Trocando por miúdos, para o dr. Passos
Coelho, o Estado Social é uma invenção perniciosa que beneficia essencialmente
os mais ricos que recebem pensões milionárias e entopem os serviços de urgência
dos hospitais públicos com doenças imaginárias que põem em causa as contas
públicas e a sustentabilidade da Segurança Social. Ouvindo o primeiro-ministro,
pode ficar-se com a ideia de que os banqueiros e outros privilegiados afins são
os principais beneficiários das prestações sociais com que o Estado, na sua
infinita misericórdia, brinda os portugueses, sem que estes, aliás, se dignem
corresponder com o pagamento de mais impostos. Ao contrário do que tem sido
dito, estas declarações não deixam de ser um bom ponto de partida para o
improvável debate que o governo quer promover sobre as funções do Estado.
Levando à letra as
palavras de Passos Coelho, seria possível compreender alguns dados dramáticos
que por aí abundam: enquanto os Ricardos Salgados deste país se abotoam “com a
maior parte dos rendimentos redistribuídos pelo Estado”, mais de dez mil
crianças convivem diariamente com a fome (números do governo), uma série de
hospitais está à beira da falência, sem dinheiro para medicamentos ou exames
mais complexos, metade dos desempregados não recebem qualquer subsídio, pensões
de 1350 euros são afectadas por uma espécie de taxa solidária e por aí fora,
numa clara demonstração que, nesta matéria, ao contrário do que algumas
luminárias apregoam, o Estado é verdadeiramente exíguo.
Mas a questão não é
bem esta, como qualquer pessoa de bom senso percebe. Embora a sua capacidade de
expressão seja diminuta, as declarações do dr. Passos Coelho apontam, mais uma
vez, para o aumento e aplicação de taxas e propinas na Saúde e na Educação. Na
sua opinião, “os que têm mais rendimentos” não são obviamente os poucos
milionários que por cá prosperam. Atingem, sim, uma classe média, em vias de
extinção, que depois do “maior aumento” de impostos de sempre, será agora
obrigada a pagar propinas no ensino obrigatório (sim, o ministro da Educação
desmentiu mas não será por aí que a medida não vai para a frente) e taxas
moderadoras, mais altas, na saúde. Nem por acaso, dei de caras, esta semana,
com um menino da JSD, que se prepara para se candidatar à presidência da mesma,
a explicar que é “hipócrita e socialmente iníqua a tendencial gratuitidade da
educação e saúde”. Nem mais! Cria um problema constitucional? O menino da JSD
não tem dúvidas: manda-se a Constituição às malvas até porque, como já se viu,
o primeiro-ministro só consegue governar contra a Constituição: para o actual
PSD a Constituição, esse empecilho, não passa de um bode expiatório, capaz de
explicar todas as asneiras do governo.
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