Por diversas vezes
a abordagem à possível pedofilia existente na igreja católica de Portugal foi
discretamente abordada e sempre foi dito por altos responsáveis do clero que “felizmente
não havia casos em Portugal” – isto a propósito dos escândalos congéneres
noutros países. Agora já tal não é possível dizerem.
Em Portugal, como noutros
países, o escândalo começa a ver a luz do dia. Tardiamente mas eis que a
ponta do icebergue está à vista. Falta saber se haverá coragem para desnudar os
tabus aviltantes em que a igreja de Portugal se resguarda, sem dar tréguas à
justiça que importa fazer em prol das vítimas e da sociedade portuguesa, tantas
vezes dominada e ludibriada por agentes que encontram na batina, em palavras “santas”
e no falso semblante religioso a proteção para o cometimento de crimes
hediondos que destroem para toda a vida muitíssimas das vítimas.
A justiça deve
ser adequadamente pesada para estes falsários pedófilos que não têm pejo de
enganar tudo e todos. Procure-se mesmo em altos responsáveis da igreja católica
apostólica romana a forma de extirpar o câncer secular da pedofilia que sempre
soubemos existir sob os hábitos religiosos dos aparentemente homens santos. Não
extirpando o câncer de pouco adiantará somente afetar a raia-miúda do clero católico
apostólico romano. O saneamento a todos os níveis urge ser concretizado e a
justiça não deve continuar a temer os poderosos do Vaticano e das suas
sucursais. No icebergue o maior volume está oculto. (Redação PG)
Pergunta a 20
bispos: já houve queixas de pedofilia na sua diocese?
Andreia Sanches – Público – foto
Adriano Miranda
O PÚBLICO
dirigiu-se aos bispos diocesanos do país. Sete desconhecem casos. Três
informaram que não vão responder. Dez não dizem nada.
A pergunta foi
feita por correio electrónico às 20 dioceses do país. Pedia-se aos bispos
responsáveis pelas mesmas que respondessem essencialmente às seguintes
questões: receberam, nos últimos anos, queixas de abusos sexuais de crianças?
Como geriram as situações? Houve comunicação à polícia? Já houve padres
transferidos de paróquia na sequência de suspeitas deste tipo?
Sete bispos dizem
não ter conhecimento de abusos, recentes ou antigos, praticados nas
instituições da Igreja. Alguns não escondem, contudo, que esta é uma
preocupação que têm presente no seu dia-a-dia. Outros três fizeram saber que
não iam prestar informação, por não ser "oportuno" ou estarem
ocupados.
Os bispos de
Santarém, Bragança-Miranda, Leiria-Fátima, Beja, Viseu, Portalegre e Aveiro
foram os que garantiram desconhecer casos. E alguns aproveitaram para dizer o
que pensavam sobre como se deve lidar com eventuais suspeitas. Já o bispo do
Porto, D. Manuel Clemente, não considerou "oportuno estar a fazer qualquer
tipo de considerações".
D. Manuel Felício,
bispo da Guarda – diocese à qual pertence o Seminário Menor do Fundão cujo
vice-reitor foi detido há uma semana por suspeita de abuso sexual de crianças
–, também fez saber que "não tem disponibilidade" para responder. Na
sexta-feira, em declarações à Lusa, anunciou que "já iniciou o processo
preliminar canónico" para apurar as suspeitas que recaem sobre aquele
padre.
Por fim, D. Jorge
Ortiga, bispo de Braga, informou que não tinha tempo para respostas. Em
vésperas de Natal, as solicitações são muitas, explicou o seu secretário.
Há pelo menos dois
anos que a Rede de Cuidadores, uma associação criada depois do escândalo da
Casa Pia de Lisboa, diz que há casos de pedofilia na Igreja, em Portugal.
"Sempre
defendi que esses casos configuram um crime, pelo que devem ser comunicados às
instâncias competentes (canónicas e civis) para serem devidamente investigados
e, se se comprovarem, punidos." D. José Cordeiro,
Bragança-Miranda
A associação,
fundada pela ex-provedora da Casa Pia Catalina Pestana e pelo psiquiatra Álvaro
de Carvalho, actual coordenador do Plano Nacional de Saúde Mental, dirigiu, em
2010, uma carta a D. José Policarpo e a D. Jorge Ortiga propondo uma
"conversa discreta" sobre "denúncias" de abusos que lhes
tinham chegado. No fim-de-semana passado, questionada pelo PÚBLICO sobre a
detenção do padre do Fundão, Catalina Pestana insistiu: "Sei que há casos
de pedofilia, só na Diocese de Lisboa conheço cinco." E garantiu que
comunicou isso mesmo a D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa. Abriu-se
uma guerra: o cardeal, citado por dois jornais diários, fez saber que nada
sabe.
Certo é que o
Ministério Público abriu um inquérito. Enquanto o porta-voz da Conferência
Episcopal Portuguesa (CEP), Manuel Morujão, pediu "provas" e não
apenas "imaginações" a Catalina. E foi na sequência deste debate que
o PÚBLICO contactou por escrito os responsáveis máximos das dioceses do país.
Dez bispos não responderam simplesmente às perguntas enviadas para os contactos
que constam do Anuário da Igreja Católica. Outros dez reagiram de alguma forma.
Até ontem, chegaram estas respostas:
"Graças a
Deus, não fui confrontado com nenhuma suspeita", começa por dizer o bispo
D. António Vitalino, de Beja.
Somente
homossexualidade
Há mais de 13 anos que está naquela diocese alentejana e conta que "num caso houve um panfleto anónimo, com difamações motivadas por descontentamentos pessoais, sem apontar para a pedofilia, mas somente para a homossexualidade".
Apesar da
inexistência de casos, esta é, contudo, uma preocupação que tem presente:
"No acompanhamento dos candidatos ao seminário procuramos estar atentos a
estas tendências (...) e procuro acompanhar os membros do clero e adverti-los
para estes problemas."
Há pouco mais de um
ano à frente da Diocese de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro afirma:
"Ainda não recebi qualquer queixa de abuso sexual de menores, nem conheço
qualquer caso anterior ao início do ministério episcopal." Mas tem opinião
clara sobre como lidar com a pedofilia. "Sempre defendi que esses casos
configuram um crime, pelo que devem ser comunicados às instâncias competentes
(canónicas e civis) para serem devidamente investigados e, se se comprovarem,
punidos."
Sobre se é comum a
Igreja resolver o problema transferindo padres de paróquia, quando surgem
suspeitas de abuso sexual, garante desconhecer "transferências por esses
motivos". A existirem, diz que não lhe parece "uma solução
recomendável".
- Apesar das várias
tentativas do PÚBLICO, fica por esclarecer como interpretou o cardeal-patriarca
a carta que a Rede de Cuidadores lhe mandou em Dezembro de 2010, na qual Álvaro
de Carvalho lhe dizia ter recebido "denúncias". E que diligências
tomou. –
D. José Cordeiro
cita, de resto, as directrizes da CEP sobre esta matéria, publicadas este ano:
"No caso de confirmação dos indícios ou da credibilidade das evidências da
prática do delito, deverá proceder-se da seguinte forma: instauração imediata
do procedimento canónico; aconselhamento da vítima ou denunciantes a promover a
participação imediata dos factos às autoridades civis competentes; avaliação
das medidas cautelares a adoptar, de modo a reparar o dano e a impedir a
verificação de novos casos."
"Desejo de
justiça"
De Portalegre chega uma frase apenas, como resposta ao PÚBLICO: "Não recebi nenhuma queixa nem me consta que alguém tivesse sido investigado judicialmente ou transferido por razões dessas", diz D. Antonino Dias. Igualmente sucinta é a resposta de Aveiro: "Enquanto Bispo de Aveiro, nunca recebi nenhuma queixa/denúncia relacionada com este assunto."
"Nenhum
registo", comunica ainda a Diocese de Leiria-Fátima. "Até ao
presente, nenhuma queixa", informa o bispo de Santarém através do chefe de
gabinete, Joaquim Ganhão.
D. Ilídio Pinto
Leandro, bispo de Viseu desde 2006, garante igualmente que nunca a diocese
recebeu "por qualquer meio, alguma queixa ou acusação deste teor".
Lembrando, também ele, que há procedimentos definidos para adoptar nestes
casos, conclui: "A transparência, rigor e desejo de justiça são objectivos
muito claros a nortear estas normas."
De Lisboa, a
diocese à qual Catalina Pestana se referiu especificamente, não chegou
resposta. Mas esta semana, D. José Policarpo, através do responsável para a
comunicação do patriarcado, padre Nuno Rosário Fernandes, disse desconhecer
qualquer denúncia. Apesar das várias tentativas do PÚBLICO, fica por esclarecer
como interpretou o cardeal-patriarca a carta que a Rede de Cuidadores lhe
mandou em Dezembro de 2010, na qual Álvaro de Carvalho lhe dizia ter recebido
"denúncias". E que diligências tomou. Escreveu então o psiquiatra: "Em
Junho último expedi uma carta, também em nome da Rede de Cuidadores, ao sr. D.
Jorge Ortiga, na qualidade de presidente da CEP, com conhecimento a V.ª
Eminência, em que propunha uma conversa discreta sobre denúncias que nos têm
chegado, sobre a qual nunca obtive ecos. Para colmatar a hipótese de a mesma se
ter extraviado, nesta data envio uma 2.ª via para os mesmos
destinatários."
O secretário do
bispo, padre José Miguel, confirma que D. Jorge Ortiga recebeu Catalina Pestana
e Álvaro de Carvalho, no ano passado. E que lhes foi dito que seriam tomadas
medidas, o que veio a acontecer com a publicação das directrizes da CEP.
Álvaro de Carvalho
explicou esta semana que da informação que há muito pretende debater com a
Igreja não constam casos de abusos recentes, ou "activos", até porque
isso obrigaria a associação a denunciá-los à polícia. Mas que tão-só tem
querido que a Igreja assuma, como aconteceu noutros países, que não tem sido
imune a casos de pedofilia.
A Igreja tem que
actuar perante "qualquer denúncia ou suspeita", e
"suspender" quem for culpado, mas os jornais não deviam ocupar-se
destes assuntos. "Que interesse tem andar a dar estas notícias?" António Guerreiro
Guerra, vigário Viana do Castelo
De Lisboa, Setúbal,
Coimbra, Algarve, Évora, Funchal, Angra, Lamego, Vila Real e Viana do Castelo
não houve qualquer reacção aos emails do PÚBLICO – António Guerreiro Guerra, de
Viana, vigário do clero, disse, contudo, sem querer falar pelo bispo, que ali
se desconhecem casos. E não deixou de manifestar um desabafo: a Igreja tem que
actuar perante "qualquer denúncia ou suspeita", e
"suspender" quem for culpado, mas os jornais não deviam ocupar-se
destes assuntos. "Que interesse tem andar a dar estas notícias?"
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