António Carneiro,
RTP – foto em Lusa
Mais de 100
jornalistas de um dos mais respeitados semanários da China entraram em greve
para protestar contra a censura. Na origem desta paralisação rara está o
editorial de Ano Novo do Nanfang Zhoumo (Semanário do Sul) que foi alterada
pelos responsáveis da propaganda oficial. Também o controlo sobre o microblog
do jornal é alvo da contestação dos jornalistas, que exigem a demissão do
responsável pela propaganda da província de Guangdong. O jornal de Cantão é
conhecido pela qualidade do seu jornalismo de investigação e por muitas vezes
testar os limites da liberdade de expressão impostos pelas autoridades
comunistas.
“É a primeira vez
em duas décadas que o departamento oficial de um grande jornal da China promove
abertamente uma greve contra a censura governamental”, escreve o jornal de Hong
Kong South China Morning Post, referindo-se aos acontecimentos de Cantão.
Editorial crítico transformou-se em mensagem de louvor
A mensagem original de Ano Novo do Nanfang Zhoumo apelava a reformas políticas
e à garantia dos direitos constitucionais, mas foi modificada pelos censores de
modo a tornar-se num artigo de louvor ao Partido Comunista Chinês.
A contestação subiu de tom, depois de o microblog oficial do jornal ter
desmentido, domingo à noite, que o editorial de ano Novo tenha sido alterado
por causa da censura. Os autores do comentário afirmaram que “os rumores que
circulam online são falsos”.
Os comentários do microblog, alegadamente, postados por alguns editores
séniores, acabaram por ser a última gota que desencadeou a greve dos membros da
equipa editorial contrários a esta posição.
Conflito inédito ganha amplitude
Julga-se que está será a primeira vez que o quadro editorial de um jornal entra
em conflito direto com funcionários do partido comunista chinês.
Os jornalistas acusam o chefe do departamento de propaganda da província de
Guangdong, Tuo Zhen, de ter pessoalmente alterado o editorial de Ano Novo, na
véspera do dia em que este devia seria publicado. Em resposta, exigem a
demissão deste responsável, acusando-o de ser “ditatorial” numa era de
“crescente abertura “.
Em duas cartas abertas, 35 destacados ex-colaboradores e cinquenta estagiários
do jornal também apelaram à demissão de Tuo Zhen, classificando o sucedido de
“interferência grosseira”.
O movimento de contestação está a ganhar amplitude nacional e circula neste
momento uma petição contra a censura, que já foi assinada por centenas de
intelectuais, jornalistas e internautas.
Vinte e sete académicos do continente, Hong Kong e Taiwan, nos quais se incluem
destacados juristas e economistas, também apelaram publicamente à demissão do
chefe da propaganda de Guangdong.
Ativistas pró-democracia manifestam-se em apoio dos jornalistas
Apoiantes do Nanfang Zhoumo concentraram-se entretanto em frente das
instalações do jornal, para apoiar a luta dos jornalistas. Alguns dos
manifestantes exibiam cartazes onde se lia “queremos liberdade de imprensa,
constitucionalismo e democracia”.
A província de Cantão situa-se na costa sul da China e confina com Macau e Hong
Kong sendo considerada uma das mais prósperas do país.
Os jornais chineses estão sob supervisão dos denominados “departamentos de
propaganda” que, frequentemente mudam o conteúdo das notícias de forma a
alinhá-lo com a filosofia do partido.
De acordo com a Constituição chinesa, "os cidadãos da República Popular da
China têm direito à liberdade de expressão, de imprensa, reunião, associação e
manifestação", mas o "papel dirigente" do Partido Comunista
Chinês (PCC) é, considerado "um princípio cardial", sobrepondo-se à
Constituição.
A crise no Nanfang Zhoumo ocorre menos de dois meses após o 18. Congresso do
PCC, que elegeu uma nova "liderança central", encabeçada pelo futuro
Presidente, Xi Jinping.
Na sexta-feira passada, as autoridades chinesas encerraram o site “Anais do
Imperador Amarelo”, uma publicação associada aos setores mais liberais do
Partido Comunista Chinês, depois de este ter publicado um apelo à nova
liderança do partido para "garantir os direitos constitucionais dos
cidadãos".
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