quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Cameron pede perdão por centenas de mortes negligentes em hospital do Reino Unido




ANA DIAS CORDEIRO - Público

David Cameron foi ao Parlamento pedir desculpa aos familiares das vítimas: entre 400 e 1200 pessoas em quatro anos. O relatório conhecido na quarta-feira já motivou queixas de familiares de vítimas noutros hospitais.

Como nas grandes tragédias, o jornal britânico The Times mostra um mural com fotografias de vítimas. Aqui, vêem-se apenas alguns rostos das muitas centenas de pessoas que morreram. Homens e mulheres, sobretudo idosos, mas também jovens, quando estavam aos cuidados do sistema nacional de saúde britânico – National Health Service (NHS) – abalado agora pelo maior escândalo de que há memória desde que foi criado em 1948.

Um inquérito foi lançado em 2010 quando soou o alarme no Hospital de Stafford perante suspeitas de um tratamento deplorável reservado aos doentes. Um relatório preliminar publicado nesse ano já apontava falhas graves e motivou uma investigação mais aprofundada, também liderada pelo advogado Robert Francis, e agora conhecida.

As conclusões são de tal forma graves que motivaram um pedido de perdão público do primeiro-ministro David Cameron, na Câmara dos Comuns, esta quarta-feira; e levaram o Times a escrever em título Inquérito ao NHS revela que ninguém está seguro.

Centenas de doentes – entre 400 e 1200 – morreram entre Janeiro de 2005 e Março de 2009 por negligência e falta de cuidados do Hospital de Stafford. “Esta é uma história de horrível e escusado sofrimento de centenas de pessoas. Não foram atendidas por um sistema que ignorou os sinais de alerta e colocou o interesse corporativo e o controlo de custos acima dos doentes e da sua segurança”, disse Robert Francis na televisão. O advogado denunciou uma “falta de atenção, de compaixão, de humanidade e de direcção”.

A situação não se reporta directamente ao tempo em que Cameron estava no Governo, mas coube-lhe a ele pedir perdão a todos os familiares das vítimas, em nome do Governo e do país, numa intervenção no Parlamento, onde qualificou a situação como resultado de “uma sequência abominável de falhas clínicas e de gestão”. Cameron fez questão de realçar o estatuto de instituição respeitada  "neste país e no mundo" do NHS, onde "muitas pessoas competentes e totalmente dedicadas" trabalham, mas alertou para o risco de uma perda da confiança do público. 

“Centenas de pessoas sofreram uma terrível negligência e maus tratos", expôs frente aos deputados. "A muitos foi-lhes administrada a medicação errada. Muitos permaneceram deitados em cima da própria urina, por falta de ajuda. Os familiares eram ignorados ou repreendidos quando chamavam a atenção para a falta de cuidados mais elementares, quando tentavam salvar os seus entes queridos de um sofrimento terrível e mesmo da morte”, descreveu Cameron no Parlamento.

Mais hospitais sob investigação

O caso está a chocar o país, escreve a Reuters e a levar muita gente a retomar queixas já antes feitas contra outros hospitais, completa a BBC. Pelo menos cinco estabelecimentos estão sob investigação, escreve também a Press Association.

À frente desse combate, um nome a reter: Julie Bailey, autora de uma campanha para não deixar estes casos caírem no esquecimento. A mãe Bella Bailey tinha 86 anos e estava hospitalizada em Stafford quando as enfermeiras a deixaram cair. Morreu pouco depois. A queda pode ter ou não contribuído para a morte.

É também essa a posição de alguns familiares de pessoas que faleceram em hospitais e que falaram esta quinta-feira ao Today Programme da Rádio BBC. Estão a processar os hospitais por desrespeito dos direitos humanos. À BBC descrevem situações em que os familiares doentes não eram hidratados ou medicados. Num caso, um doente idoso em estado grave ficou sem soro mais de 12 horas. Mas insistem: a negligência pode ter contribuído ou acelerado a morte de pessoas já muito doentes.

“Porque o meu pai estava a morrer, não se importaram”, disse à BBC a filha de um doente, que morreu no Queen’s Hospital de Romford no Leste de Londres. "Não houve tratamento digno." Uma advogada envolvida nos processos acredita que o que hoje se sabe sobre o Hospital de Stafford “não é um acontecimento isolado”.

A tragédia pode não ser exclusiva deste hospital do centro de Inglaterra. Uma posição antes ecoada na intervenção de Cameron: “Não podemos garantir que as falhas nos cuidados se limitam a um hospital.”

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