ANA DIAS CORDEIRO - Público
David Cameron foi
ao Parlamento pedir desculpa aos familiares das vítimas: entre 400 e 1200
pessoas em quatro anos. O relatório conhecido na quarta-feira já motivou
queixas de familiares de vítimas noutros hospitais.
Como nas grandes
tragédias, o jornal britânico The Times mostra um mural com
fotografias de vítimas. Aqui, vêem-se apenas alguns rostos das muitas centenas
de pessoas que morreram. Homens e mulheres, sobretudo idosos, mas também
jovens, quando estavam aos cuidados do sistema nacional de saúde britânico –
National Health Service (NHS) – abalado agora pelo maior escândalo de que há
memória desde que foi criado em 1948.
Um inquérito foi
lançado em 2010 quando soou o alarme no Hospital de Stafford perante suspeitas
de um tratamento deplorável reservado aos doentes. Um relatório preliminar
publicado nesse ano já apontava falhas graves e motivou uma investigação
mais aprofundada, também liderada pelo advogado Robert Francis, e agora
conhecida.
As conclusões são
de tal forma graves que motivaram um pedido de perdão público do
primeiro-ministro David Cameron, na Câmara dos Comuns, esta quarta-feira; e
levaram o Times a escrever em título Inquérito ao NHS revela que
ninguém está seguro.
Centenas de doentes
– entre 400 e 1200 – morreram entre Janeiro de 2005 e Março de 2009 por
negligência e falta de cuidados do Hospital de Stafford. “Esta é uma história
de horrível e escusado sofrimento de centenas de pessoas. Não foram atendidas
por um sistema que ignorou os sinais de alerta e colocou o interesse
corporativo e o controlo de custos acima dos doentes e da sua segurança”, disse
Robert Francis na televisão. O advogado denunciou uma “falta de atenção,
de compaixão, de humanidade e de direcção”.
A situação não se
reporta directamente ao tempo em que Cameron estava no Governo, mas coube-lhe a
ele pedir perdão a todos os familiares das vítimas, em nome do Governo e do
país, numa intervenção no Parlamento, onde qualificou a situação como resultado
de “uma sequência abominável de falhas clínicas e de gestão”. Cameron fez
questão de realçar o estatuto de instituição respeitada "neste país
e no mundo" do NHS, onde "muitas pessoas competentes e totalmente
dedicadas" trabalham, mas alertou para o risco de uma perda da
confiança do público.
“Centenas de
pessoas sofreram uma terrível negligência e maus tratos", expôs frente aos
deputados. "A muitos foi-lhes administrada a medicação errada. Muitos
permaneceram deitados em cima da própria urina, por falta de ajuda. Os
familiares eram ignorados ou repreendidos quando chamavam a atenção para a
falta de cuidados mais elementares, quando tentavam salvar os seus entes
queridos de um sofrimento terrível e mesmo da morte”, descreveu Cameron no
Parlamento.
Mais hospitais sob
investigação
O caso está a chocar o país, escreve a Reuters e a levar muita gente a retomar
queixas já antes feitas contra outros hospitais, completa a BBC. Pelo menos
cinco estabelecimentos estão sob investigação, escreve também a Press
Association.
À frente desse
combate, um nome a reter: Julie Bailey, autora de uma campanha para não
deixar estes casos caírem no esquecimento. A mãe Bella Bailey tinha 86 anos e
estava hospitalizada em Stafford quando as enfermeiras a deixaram cair. Morreu
pouco depois. A queda pode ter ou não contribuído para a morte.
É também essa a
posição de alguns familiares de pessoas que faleceram em hospitais e
que falaram esta quinta-feira ao Today Programme da Rádio BBC. Estão a
processar os hospitais por desrespeito dos direitos humanos. À BBC descrevem
situações em que os familiares doentes não eram hidratados ou medicados. Num
caso, um doente idoso em estado grave ficou sem soro mais de 12 horas. Mas
insistem: a negligência pode ter contribuído ou acelerado a morte de pessoas já
muito doentes.
“Porque o meu pai
estava a morrer, não se importaram”, disse à BBC a filha de um
doente, que morreu no Queen’s Hospital de Romford no Leste de Londres.
"Não houve tratamento digno." Uma advogada envolvida nos
processos acredita que o que hoje se sabe sobre o Hospital de Stafford “não é
um acontecimento isolado”.
A tragédia pode não
ser exclusiva deste hospital do centro de Inglaterra. Uma posição antes ecoada
na intervenção de Cameron: “Não podemos garantir que as falhas nos cuidados se
limitam a um hospital.”
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