Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
Tão estapafúrdio
como imaginar o fim do Governo pela via de um golpe de Estado é considerar a
hipótese da interrupção do seu mandato por moções de censura. Ao dispor de uma
maioria absoluta, sufragada para um período de quatro anos, a adoção de
políticas erradas, a começar pelo restrito conceito de austeridade, ajuda a
alimentar forte erosão do apoio social e o acirrar do discurso das oposições. É
muito, mas não o bastante.
Num sistema de
normalidade democrática a queda do Governo estava até ao dia 25 de Abril na
pendência exclusiva da vontade de três personagens - Cavaco Silva, Passos
Coelho e Paulo Portas. Por entre avales contraditórios dados, o discurso do
presidente da República nas comemorações da Revolução "cravejou" o
condicionamento, afunilando-o à disposição dos líderes da coligação.
O país está nesse
ponto - só caminha para eleições ou outra fórmula de Executivo em função do
comportamento do primeiro-ministro e do ministro de Estado e dos Negócios
Estrangeiros.
É, então, essencial
proceder à leitura de todas as movimentações de Passos Coelho e Paulo Portas.
A capitulação
voluntária do primeiro-ministro é pouco crível e o descontentamento público e
notório dos alegados barões e baronesas do PSD é só fumaça - nenhum deles quer
ir a jogo. Ora, enquanto a máquina partidária estiver sob controlo,
dificilmente haverá uma implosão.
Aqui chegados,
dispondo do beneplácito do presidente da República, a preocupação essencial de
Passos Coelho será muito mais a de gerir os flic-flacs de Paulo Portas.
O líder do CDS-PP é
a charneira entre a durabilidade do Governo e/ou o seu fim. Bastam os elogios
saídos nos últimos dias da boca de muitos dirigentes socialistas a Portas para
afastar dúvidas. E Portas tem a mestria bastante para gerir o ciclo político,
ora deglutindo "kompensan" para anular os efeitos divergentes do seu
afamado programa de menos impostos e resistência a maior fiscalidade e cortes
nos direitos de pensionistas e reformados, ora dando conta da insatisfação por
interpostas pessoas - ou gerindo ausências.
Em sentido
figurado, agora que se aproxima a época balnear, o Governo depende mais do fio
dado às estrelas por Passos Coelho e Paulo Portas do que de uma Oposição de
discurso forte na vacuidade das propostas.
Paulo Portas, até
ver, administra habilmente o seu espaço político, procurando minimizar a sua
associação a uma política duríssima. A pasta dos Negócios Estrangeiros e a
diplomacia económica dão-lhe o espaço necessário para tentar passar por entre
os pingos da chuva. Espanto dos espantos: Passos Coelho dá-lhe margem de
manobra, talvez apostando na aversão dos populares a eleições fora de prazo nas
quais correm o risco de voltar a ser o partido do táxi....
Paulo Portas
dificilmente cometerá, pois, o erro de bater com a porta. Mas pode
acontecer....
Passos Coelho tem
entretanto (ainda) margem de manobra para o manter preso à coligação.
Por um lado, bem
pode vir a organizar o Conselho de Ministros de modo a acabar com horas e horas
de reuniões infrutíferas e das quais passa a ideia de falta de planificação e
discordância de Portas. Por outro lado, dispõe do poder de reformatar a
coligação, deixando, por exemplo, cair Vítor Gaspar - se a troika lhe der
licença. Reduzir as birras de Portas e acalmar outros ministros, a começar por
PSD, é sempre um campo alternativo. Antes do fim.
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