RAQUEL MARTINS
(TEXTO) ENRIC VIVES-RUBIO (FOTOGRAFIA) - Público
Pedro Pimenta Braz,
inspector-geral do Trabalho desde Janeiro, considera que os salários em atraso
são uma "originalidade portuguesa" que se arrastam há 20 anos e, por
isso, deviam ser criminalizados.
Os salários em
atraso são uma "originalidade portuguesa" que tem sido mais ou menos
constante nos últimos 20 anos, destaca Pedro Pimenta Braz, inspector-geral da
Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). É por isso que defende a criminalização
deste comportamento por parte dos patrões. O novo inspector-geral do trabalho,
no cargo desde meados de Janeiro e que era inspector de carreira na região de
Santarém, considera ainda que a crise "não veio demonstrar nada de
novo" mas acentuar problemas que já existiam.
Num contexto de
crise, a Autoridade para as Condições de Trabalho deve ter um papel mais
didáctico ou uma atitude mais dura?
A crise não pode ser álibi para o incumprimento da lei. Um inspector de
trabalho quando vai a uma empresa tem um duplo juízo na avaliação de uma
situação: o da legalidade e o da oportunidade. A oportunidade tem a ver com
factores como o grau de incumprimento da empresa no passado, o contexto em que
sobrevive, o número de trabalhadores. Com base nestes dois juízos, o inspector
tem de adoptar um determinado gesto, que pode passar por uma sanção, uma
notificação para tomada de medidas ou um auto de advertência. Temos sempre uma
acção sancionatória e uma acção pedagógica. Ambas têm de ter o mesmo fim: o
cumprimento da lei. Muitas vezes diz-se que a ACT não faz isto ou aquilo. Resta
saber se a legislação nos permite fazer "o isto" ou "o
aquilo".
A lei tolhe os
movimentos da ACT?
A lei não tolhe os movimentos da ACT. Os poderes que temos são suficientes para
a nossa actuação. Os meios já não o serão e a ACT continua a não poder aceder a
bases de dados fundamentais para a nossa actuação no terreno, embora a
interligação com outras autoridades seja formalmente muito boa. Mas há questões
que têm a ver com a forma como a autoridade está construída em termos
jurídicos. Por exemplo, quando um inspector detecta um falso recibo verde tem
de levantar um processo contra-ordenacional, aplica-se uma coima e a empresa é
obrigada a integrar o trabalhador nos quadros da empresa. Imaginemos que a
empresa não integra e não paga a coima, nesse caso, a ACT não pode fazer nada.
Nesse caso
específico, a ACT devia ter outros instrumentos para actuar?
Neste caso, a ACT deveria poder utilizar o auto de advertência - que nos daria
jeito nas coimas graves e muito graves. Trata-se de uma advertência formal,
escrita, dizendo que se a empresa integrar o trabalhador, a ACT não levanta o
auto de notícia. Diz-nos a experiência que poderia ser mais eficaz. Usávamos
este tipo de instrumento no contrato de trabalho a termo não fundamentado e o
número de trabalhadores integrados no quadro das empresas através deste acto
administrativo era incomensuravelmente superior.
Defendo também um
aumento das coimas relativamente a esta matéria e um crescendo da criminalização
do trabalho não declarado e dos recibos verdes. A lei podia criminalizar a
reincidência do trabalho não declarado e dos recibos verdes. E defendo a
criminalização dos salários em atraso.
Porquê?
Antes de mais porque se trata de uma originalidade portuguesa, é inadmissível
uma pessoa trabalhar e não receber o seu salário. E porque é algo que se
arrasta há 20 anos em Portugal e não é resolvido. A crise tem as costas muito
largas, mas os salários em atraso não resultam da crise. Claro que a crise veio
acentuar o problema, mas se recuarmos a 2008 havia salários em atraso, em 2007
havia salários em atraso, em 2006, em 2005 havia salários em atraso. É
impensável. Um mês pode ser tolerável, mas dois meses já não. Ao fim de um mês
o empresário sabe perfeitamente qual é a situação da empresa.
No final de 2012
havia perto de 23 mil pessoas nessa situação, três vezes mais que em 2011. Que
outras situações têm sido evidenciadas pela crise?
A crise não veio demonstrar nada de novo, veio acentuar o que já existia.
Estamos a falar dos salários em atraso, do trabalho não declarado (parcialmente
não declarado, a pessoa que trabalha 22 dias e recebe só 11, quadros bem pagos
que recebem metade do seu salários por fora) e da infracção aos tempos de
trabalho - as pessoas em vez de trabalharem 40 horas por semana trabalham 60 e
não são pagas por isso. Acresce ainda o trabalho a tempo parcial por acordo
forçado com o trabalhador. Essas situações acentuaram-se com a crise, mas não
são novas.
As alterações ao
Código do Trabalho que entraram em vigor no ano passado dão instrumentos ao
empresário que deveriam servir para que estes problemas ao nível dos tempos de
trabalho não ocorressem. Por que é que não estão a resultar?
Os instrumentos que estão no Código são tão complexos que o empresário médio
não tem conhecimentos para os utilizar. É uma realidade que já vem de trás.
Falha uma avaliação do nosso enquadramento laboral e uma análise, artigo a
artigo, se está a ser útil. Isso não é feito, os governos alteram a lei empiricamente.
Quem usa estes instrumentos são os grandes sectores e as grandes empresas
estruturadas.
No final do ano
passado a Segurança Social notificou a ACT para acompanhar os casos dos
trabalhadores a recibos verdes que têm mais de 80% do rendimento pago pela
mesma empresa. São mais de 32 mil. Já iniciaram o processo?
A acção foi desencadeada há uma semana e meia e vai-se prolongar pelo ano todo.
É um processo trabalhoso, os pressupostos do recibo verde têm de ser
comprovados, há um conjunto de critérios que temos de verificar in loco e
temos de sustentar a nossa avaliação. Se a empresa não aderir à nossa visão, o
auto de notícia tem de ser demonstrado com factos.
Que prioridades
para este ano?
A área de trabalho não declarado é um dos projectos para 2013 e 2014. Mas
queremos focar a actuação em dois objectivos: redução de acidentes de trabalho
mortais e contribuir para a redução dos salários em atraso. Queremos ser
avaliados com base nestes dois objectivos.
Estes objectivos
têm estado muito dispersos?
Têm... a pergunta que tem de ser feita é o que é que mudou nos locais de
trabalho com a actuação da ACT. Por exemplo, em 2012 conseguimos recuperar um
milhão e 200 mil euros de dívidas à Segurança Social, mas a questão é: e as
empresas continuaram a pagar? Não me adianta entrar numa empresa e levantar 20
autos de notícia se não mudar nada. Vai ser pedido aos inspectores, fará parte
dos objectivos para este ano e para 2014, aumentar as percentagens de segundas
visitas. Porque isso condiciona positivamente a minha visita.
Os trabalhadores
recebem bem as visitas dos inspectores?
Nem sempre. Porque estão à espera que solucionemos todos os problemas. Tive
casos de pessoas com salários em atraso que estavam à espera que lhes
pagássemos o salário. Há um desconhecimento muito grande do que é a ACT e quais
as situações que podemos regularizar.
Os acidentes de
trabalho mortais atingiram o número mais baixo dos últimos anos. É sinal de que
as empresas e os trabalhadores estão mais atentos ou tem a ver com a retracção
da actividade económica, nomeadamente na construção civil?
A redução que tem ocorrido resulta de dois factores. Em primeiro lugar do
decréscimo da actividade económica e do tecido produtivo, mas também resulta do
trabalho de divulgação dos mais diversos actores. Tenho receio que a redução
não seja sustentada, porque dos 149 acidentes mortais de 2012 alguns resultaram
de questões que julgávamos estarem ultrapassadas (máquinas em mau estado ou
equipamentos que não estão certificados). A crise não pode ser desculpa.
Com a crise os
empresários descuram na segurança?
Há essa tentação. Da nossa parte seremos irredutíveis. Estamos a falar de vidas
humanas e, em segundo lugar, de competição entre empresas.
A ACT tem meios
para cumprir os objectivos?
Os indicadores da OIT apontam para um inspector para 10 mil activos. Nós
precisaríamos de 410 a
420 trabalhadores. Neste momento temos 340 e entre Setembro e Outubro teremos
300 inspectores. É insuficiente para o nosso tecido económico. O ideal seria
450, um número bom seria 400 a
410.
Como é que a ACT
tem sido afectada pelos cortes orçamentais? Recentemente os inspectores
alertaram que tinham de limpar os locais de trabalho.
Temos menos um milhão e 500 mil euros para despesas de funcionamento. É a
realidade de toda a administração pública, mas tem consequências nalgum desenho
informático que precisávamos de mudar, equipamentos, as nossas viaturas mais
recentes são de 1999 e gastamos uma fortuna na sua manutenção.
E os serviços de
limpeza?
A maioria dos serviços tinha contratos com empresas de limpeza que terminaram.
Pedimos a renovação dos contratos, que já foi autorizada pelo secretário de
Estado do Emprego. Mas tudo tem de ter autorização das Finanças. Mas não há
nenhuma ordem para os funcionários comprarem produtos de limpeza ou limparem os
seus locais de trabalho.
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