Nelson Miguel – Verdade (mz)
Lucília Marcelino,
de sete meses de vida, Meque Marcelino e Vane Marcelino, de dois e quatro anos
de idade, respectivamente, Edu Marcelino e Artemísia Marcelino, por sinal os
mais velhos, mas que desconhecem as suas idades, são irmãos e encontram-se na vila-sede
de Nametil, no distrito de Mogovolas, a 70 quilómetros da província de Nampula.
Desde 2010, altura em que o pai perdeu a vida, ao que se seguiu a mãe, em 2011,
vítimas de uma doença prolongada associada ao VIH/ SIDA, vivem numa situação de
pobreza extrema junto ao tio da mãe e necessitam de um pouco de tudo para sobreviver,
principalmente a criança mais nova.
Neste momento, os
meninos em causa, que enfrentam dificuldades para conseguir comida, ter acesso
à escola, a alojamento condigno e a cuidados médicos, disseram à nossa
Reportagem que os progenitores se chamavam Marcelino e Filomena José. O
primeiro a abandoná-los foi o pai. A família residia na cidade de Nampula mas,
quando o chefe de família morreu, e a esposa estava grávida de Lucília, passaram
a viver em Nametil, terra natal da senhora, porque esta não tinha condições
para cuidar dos filhos e precisava do amparo dos seus parentes.
Dos irmãos, o mais
velho, que aparenta não ter acima de nove anos de idade, disse-nos que a sua
ascendente começou a adoecer em 2011 e acabou por morrer em 2012, deixando os
seus quatro filhos num futuro incerto. Nenhum dos petizes em idade escolar está
no banco de um estabelecimento de ensino para aprender a aprimorar as normas de
convivência social e saber que “o trabalho dignifica o homem”, “Deus ajuda a
quem cedo madruga”, e que “só é digno aquele que tem um emprego e o exerce sem
questionar”, segundo rezam alguns provérbios.
Outro direito
previsto na Declaração Universal dos Direitos da Criança, que Marcelino e Filomena
José não respeitaram em vida, foi o da inscrição dos filhos nos Serviços de
Registos e Notariado: Edu e Artemísia não têm Cédula Pessoal ou Boletim de
Nascimento, enquanto Vane, Meque e Lucília somente em Abril passado passaram a
ter esses documentos de identificação pessoal, que foram obtidos numa campanha
nacional de vacinação.
Gritos de socorro
Artemísia, que não
faz ideia do ano em que nasceu, afirmou, com o rosto coberto de lágrimas, que o
que mais a preocupa é, por um lado, a situação da menina de sete meses de
idade, que apesar de ser apoiada por uma associação chamada Ehali, que lida com
assuntos de saúde, no distrito de Mogovolas, está a experimentar dificuldades.
Há cinco meses que a agremiação disponibiliza três latas de leite mensalmente.
Por outro lado, o
facto de não estudar também lhe deixa angustiada, uma vez que não tem meios
para frequentar uma escola, particularmente porque deve dedicar o seu tempo a
cuidar dos mais novos. Na residência desses petizes amargurados há falta de
quase tudo. Desde que os ascendentes morreram, tanto Artemísia como os irmãos
dependem da boa vontade de pessoas para sobreviver e sentem-se na condição de
pedintes.
“Eu e os meus
irmãos sofremos bastante, há dias que passamos fome por falta de alimentação.
Na casa onde fomos acolhidos os donos são também pessoas carenciadas e vivem
graças a biscates”, disse a miúda cujo sonho é um dia ter condições para dar
mais conforto aos irmãos. Apesar das dificuldades que a família enfrenta,
acreditam que um dia, de algum lugar, virá a salvação para todos.
Artemísia disse ao
@Verdade que, para além de comida, Lucília precisa de cuidados médicos
especiais devido a uma doença desconhecida que a apoquenta, mas ainda não foi
submetida a um exame médico.
A gestora de
programas da associação Ehali, Sandra Maria José, explicou que descobriu as
cinco crianças órfãs há pouco tempo e, como a situação pela qual passam é
grave, a sua agremiação está a trabalhar no sentido de Lucília ter uma parte de
cuidados sociais básicos garantidos até pelo menos aos dois anos de idade.
“Não tem sido fácil cuidar destas crianças,
principalmente da mais nova. Nós não temos condições para dar uma vida digna a
elas e, se não fosse o apoio da Ehali, acredito que a recém-nascida teria
perdido a vida por falta de leite”, disse a esposa do tio da falecida que se
identificou pelo nome de Fátima, tendo acrescentado que “depois da morte do pai
dos meninos, meses depois, a mãe adoeceu e foi levada ao hospital onde se
diagnosticou que estava infectada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana. Perdeu
a vida logo que começou a tomar os anti-retrovirais”.
Lucília, Meque,
Vane, Edu e Artemísia, infelizmente, constam da lista da mais de 350 mil
meninos moçambicanos que perderam o seu pai, a mãe, ou ambos, devido ao
VIH/SIDA, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Nesse contexto, os
nossos entrevistados precisam de cuidados e apoio dos adultos, sobretudo de uma
família ou instituição que assegure a sua educação, acesso à saúde, dentre
outros direitos básicos, para que não sejam pessoas vulneráveis aos malefícios
sociais, tais como a exploração infantil, o abuso sexual, o início precoce de
relações sexuais e que não contraiam o casamento prematuramente. Portanto, uma
ajuda de quem poder oferecer alguns minutos de alegria a essas crianças é
bem-vinda.
Direcção da Acção
social desconhece os petizes
Em relação ao
problema que apoquenta as cinco crianças, ouvimos a Direcção Provincial da
Mulher e Acção Social (DPMAS) em Nampula. Ahade Daúdo, chefe do Departamento da
Criança, disse que a instituição não tem conhecimento da existência de crianças
órfãs na vila-sede de Nametil e que estejam a passar por uma situação de luta
pela sobrevivência.
“É possível que os
nossos colegas a nível do distrito (Mogovolas) tenham informação acerca do
assunto e ainda não nos comunicaram. Mas vamos trabalhar conjuntamente para
avaliarmos o caso e a ajuda que poderá ser prestada”, afirmou Daúdo que disse a
terminar que, neste momento, o seu sector está a identificar mais crianças
carenciadas a fim de que beneficiem de assistência social.
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