Deutsche Welle
Gráficos da NSA
sobre o programa XKeyscore, divulgados pelo "Guardian", sugerem
presença de sistemas para interceptação de dados no país. Herança da Guerra
Fria, bases dos EUA abrigam mais de 50 mil soldados.
Desde as primeiras
revelações do ex-analista de inteligência norte-americano Edward Snowden, em
junho, os serviços secretos alemães estão sob suspeita de colaborar ativamente
com as atividades ilícitas de vigilância de dados do governo dos Estados
Unidos.
Em artigo recente,
o jornal britânico The Guardian divulgou imagens e tabelas utilizadas no
treinamento para o programa de espionagem da internet X-Keyscore, da Agência de
Segurança Nacional dos EUA (NSA). Um dos gráficos leva a crer que também sejam
interceptados dados de servidores localizados na Alemanha.
Até então, só havia
conhecimento de que os serviços secretos americanos filtravam dados que passam
por seu território nacional. Agora, especula-se que o acesso a pontos nodais de
internet alemães possa ser realizado ou apoiado a partir das bases militares
dos EUA na Alemanha.
Proximidade física
ajuda
Numa herança do
desfecho da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria, mais de 50 mil soldados
norte-americanos continuam estacionados em solo alemão – um número superior ao
total das forças armadas de países como a Bélgica. Ao todo, o Pentágono mantém
várias centenas de estações militares internacionais, numa rede que engloba
todo o planeta.
Sandro Gaycken,
especialista em informática da Universidade Livre de Berlim, acha muito provável
que os Estados Unidos utilizem suas bases espalhadas pelo mundo para grampear
canais informáticos. "É útil a proximidade física dos centros de dados que
se queira atacar. Por isso, essa noção é perfeitamente plausível",
comentou, em entrevista à Deutsche Welle.
Indagado se tal
forma de monitoração poderia acontecer sem o conhecimento do governo alemão,
Gaycken disse ser possível, mas não muito provável. "Quando se trata de
servidores em países aliados, também pode ser que o acesso direto esteja assegurado
através de certos contratos, e [os que monitoram] estão, por assim dizer,
legalmente dentro do sistema."
Clandestinidade
legitimada
De fato, existem
tratados binacionais regulando as atividades do serviço secreto norte-americano
nas estações militares alemãs. A permanência de soldados dos EUA em solo alemão
está fundamentada no Estatuto de Tropas da Otan (Sofa, na sigla em inglês) de
1951.
Em 1968, a Lei G10
forneceu o fundamento legal para a vigilância de correspondência escrita e de
telecomunicações pelos serviços de informações da Alemanha; e um acordo
administrativo acessório à G10 estendeu aos serviços secretos aliados o direito
de monitorar e vigiar, no interesse da segurança de suas próprias tropas.
Nesta sexta-feira
(02/08), o Ministério alemão do Exterior declarou que "acordo
administrativo de 1968/69 relativo à Lei G10" com os Estados Unidos e o
Reino Unido foi rescindido "de comum acordo". Segundo o ministro do
Exterior, Guido Westerwelle, esta seria "a consequência necessária e
correta dos últimos debates sobre a proteção da esfera privada".
A declaração,
contudo, não serviu para esclarecer a situação de forma decisiva. Pois consta
que o acordo já perdera o sentido, de fato, e há anos não era mais posto em
prática. Segundo um porta-voz do Ministério britânico do Exterior, desde 1990 o
país não mais se utilizava do acordo.
Concessões para
"atividades analíticas"
E assim, seguem as
especulações sobre como a NSA atua na Alemanha, legal ou ilegalmente. De um
modo geral, Berlim está ciente de que os serviços secretos americanos estão
ativos nas bases dos EUA em território alemão.
Um indício disso
esteve na resposta do Ministério alemão da Defesa a um inquérito do partido A
Esquerda, em 2011, sobre benefícios para pessoas físicas e jurídicas a serviço
das Forças Armadas norte-americanas na Alemanha.
Em seu relatório, o
Ministério da Defesa citou 207 firmas que recebem concessões para
"serviços analíticos". Entre as atividades concretamente mencionadas,
estão "Senior Intelligence System Analyst" ou "Signal
Intelligence Analyst".
Numa coletiva em 31
de julho, o governo alemão revelou que "atividades analíticas" se
refeririam a prestações de serviços técnico-militares – o que isso significa,
exatamente, ainda está sendo averiguado.
Firma de Snowden
As concessões a
firmas norte-americanas para atividades de inteligência na Alemanha estão
acordadas em numerosas notas diplomáticas, de 2001 até o momento. Assim, numa
nota do Ministério do Exterior de 25 de novembro de 2008, também a empresa Booz
Allen Hamilton – para a qual trabalhava o informante foragido Edward Snowden –
recebeu uma licença para "operações de serviços de informações" na
Alemanha.
Essas firmas também
poderiam trabalhar para a NSA no assim chamado "Dagger Complex" em
Griesheim, próximo a Darmstadt, onde operam mais de mil agentes secretos dos
EUA, num complexo arquitetônico em grande parte subterrâneo.
Segundo o
especialista em serviços secretos Erich Schmidt-Eenboom, "o governo
federal teria a possibilidade de exigir dos americanos que uma estação como a
de Griesheim fosse fechada, se insistisse no argumento de que, a partir de lá,
eles estão atentando contra os direitos civis alemães".
"Isso, no
entanto, seria um caso de confrontação, também entre os serviços secretos. E
esse é um luxo a que o pequeno Serviço Federal de Informações da Alemanha (BND)
não pode se dar, diante das grandes agências dos EUA", concluiu
Schmidt-Eenboom.
Na foto: "Onde
está o X-Keyscore?": gráfico da NSA divulgado pelo jornal "The
Guardian"
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