Slate.fr, Paris - Presseurop
Para ultrapassar a
crise, vários países europeus encaram mais ou menos seriamente a possibilidade
de reduzir os dias de férias pagas. Uma ideia tentadora mas com efeitos
contraproducentes.
Em pleno verão, o
governo francês decidiu suprimir as férias do mês de agosto e antecipar um mês
a rentrée, para encher os cofres do Estado. Este é o cenário do recente filme
de Antonin Peretjatko, La Fille du 14 juillet [A Rapariga do 14 de Julho].
É pouco provável
que o governo de Jean-Marc Ayrault, ou qualquer outro governo, tome uma decisão
tão repentina quanto drástica. Mas a ideia de reduzir as férias para favorecer
a economia não é apenas apanágio de argumentistas de cinema.
Em 2010, duas federações
representantes das PME alemãs propuseram a redução para uma ou duas semanas da
quantidade legal de férias pagas “para preservar a retoma” económica. Mais
recentemente, o secretário de Estado italiano da Economia propôs a redução de
uma semana de férias pagas para tirar o seu país da recessão, afirmando que tal
medida teria “um impacto imediato de cerca de um ponto sobre o PIB”.
A ideia nem sempre
vem de cima: em março de 2012, os eleitores suíços rejeitaram por 65,5% um
referendo federal saído de uma iniciativa popular que propunha instituir duas
semanas suplementares de férias pagas, temendo as suas consequências negativas
para a economia.
Benefícios teóricos
Com a crise
económica que a Europa atravessa, os países europeus procuram ganhar
competitividade diminuindo os custos de produção e, sobretudo, o custo do
trabalho. Para atingir esse objetivo podem, por exemplo, reduzir os salários,
como fez
a Espanha em 2010. Uma política muito impopular e que comporta enormes
riscos.
Reduzir as férias
pagas é, teoricamente, uma outra solução. Podem, até, calcular-se os efeitos
teóricos de uma tal medida. “Estima-se que um dia a mais de trabalho trará
entre 0,07 e 0,08 pontos de crescimento suplementar”, afirma Ronan Mahieu,
chefe do departamento de contas nacionais no Instituto Nacional de Estatística
e Estudos Económicos (Insee), “O efeito sobre o crescimento anual continua
muito fraco.” Fraco mas real.
Apesar destes
benefícios teóricos de dias de trabalho suplementares, todos os países da União
Europeia oferecem, pelo menos, 20 dias de férias pagas aos seus trabalhadores.
Do outro lado do Atlântico, são muitos os que defendem que os 20 ou 30 dias de
férias pagas concedidos pelos países europeus são uma aberração económica, tal
como defendem que outros benefícios sociais são demasiado generosos.
Um salário generoso
é mais produtivo
No entanto, o
impacto negativo das férias pagas sobre a economia nunca foi provado e há quem
defenda mesmo o contrário. “De um ponto de vista teórico, quanto mais férias um
trabalhador tiver, mais feliz se sentirá e mais a sua produtividade no trabalho
aumentará”, explica Francesco Vona, economista no Observatório Francês de
Conjunturas Económicas. “Há também uma explicação cognitiva: a nossa capacidade
de concentração é limitada e a nossa criatividade está ligada à nossa
capacidade de ver as coisas a partir do exterior, o que é difícil de fazer
quando se trabalha de mais.”
Mas, atenção, ao
conceder demasiadas férias pagas, também corremos o risco de aumentar a
cadência de trabalho em setores como a indústria, para compensar a perda de
tempo de trabalho efetivo dos assalariados. Ora, uma cadência demasiado intensa
pode ter os mesmo efeitos nefastos sobre a saúde (stresse, cansaço, doenças) do
que a falta de férias.
De maneira geral,
quanto mais rico é um país, mais pequeno é o seu número de horas de trabalho
por ano, o que não quer necessariamente dizer que a maneira de um país
enriquecer rapidamente é reduzir o número de horas de trabalho, reduzindo, por
exemplo, o horário de trabalho. A Coreia do Sul e o México, que trabalham ainda
mais horas por ano do que a Grécia, têm um crescimento muito mais elevado do
que a França.
Abordagem mais
flexível
Há boas razões para
pensar que mais férias levam a um aumento da produtividade dos trabalhadores,
mas o que interessa a um país é, antes de mais, o crescimento económico, ou
seja, a produção de riqueza suplementar por comparação com o período anterior.
Ora, a ideia de que as férias suplementares podem melhorar a produção total de
um ano e, assim, gerarem crescimento, é bem menos evidente: se fosse esse o
caso, a melhor maneira de maximizar a produção seria existirem férias pagas ao
longo de todo o ano.
“Calcular o valor
do impacto real de um dia de férias a mais ou a menos sobre a economia é muito
difícil”, defende Ronan Mahieu do Insee, que lembra que nem todos os
trabalhadores gozam as férias a que têm direito.
Há um número ideal
de férias pagas para a economia? Sem dúvida que não, sobretudo porque o número
mínimo legal de dias de férias não corresponde aos dias de férias efetivamente
gozados pelos trabalhadores, entre aqueles que não tiram todos os dias de
férias a que têm direito e aqueles que trabalham em setores ou em empresas que
oferecem o dobro do mínimo de dias legal.
A solução talvez
resida numa abordagem muito mais flexível das férias e, de uma maneira geral,
do tempo de trabalho.
Ou, ainda, em
imaginarmos um futuro com um número de dias de férias ilimitado, como acontece
em empresas como a IBM ou a Netflix. O princípio? Deixar os trabalhadores
tirarem os dias de férias que quiserem, desde que o trabalho apareça feito
dentro do prazo. Um método que parece dar frutos.
Traduzido por Maria
João Vieira
Visto do Reino
Unido
Ataque às férias
mais sagradas
The Economist acredita que, no
Continente, “as férias pagas na Europa continuam a ser apenas isso, férias” e considera
que isto é “tão verdade nos países anglo-saxónicos e nos países germânicos como
nos países latinos”.
Para o jornal um
aumento da produtividade nem sempre corresponde a um aumento do número de horas
de trabalho, salientando o facto de que, na II Guerra Mundial, as horas de
trabalho, que podiam chegar às 100 horas por semana, foram reduzidas,
potenciando, assim, um aumento da produção.
Entretanto,
qualquer tentativa para eliminar o direito a férias tem tido pouco êxito,
continua o diário:
Quando Itália
tentou mudar alguns feriados do meio da semana, os fiéis de Nápoles disseram
que o milagre de San Gennaro, o santo patrono cujo sangue seco fica liquefeito
no dia 19 de setembro (e, pelo menos, em mais dois dias específicos), não podia
ser alterado por decreto. Nem os próprios patrões se mostram contentes com a
ideia de fazer trabalhar mais os seus empregados.
A Business Europe,
a federação patronal, afirma que não negociou uma redução das licenças
remuneradas. Emma Marcegaglia, presidente da federação, não estava disponível
para prestar declarações. Tinha ido de férias.
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