Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
A livre circulação
para búlgaros e romenos (onde existem muitos ciganos) está em risco
A pobre comissária
Vivienne Reding foi obrigada na semana passada a explicar aos ministros da
Administração Interna da União Europeia que a livre circulação é uma pedra
fundadora dos tratados da União. As coisas estão mais difíceis porque os
europeus já mandaram às urtigas uma boa parte do articulado dos tratados da
União. Desde que o primeiro-ministro britânico David Cameron lançou a sua
cruzada anti-imigrantes – incluindo contra aqueles que chegam dos
“países-irmãos-europeus” – que um dos pressupostos essenciais da constituição
da Europa foi para o espaço sideral.
David Cameron não
está sozinho: o terror de que os romenos e os búlgaros (que entraram na União
Europeia em 2007) desatem a “invadir” o território francês, alemão, holandês,
também é partilhado pelos responsáveis dos governos dos respectivos países.
Esses governos, que durante anos tentaram combater a extrema-direita através da
“civilização”, hoje encarnam o velho e popular conceito estratégico do “se não
os podes vencer, junta-te a eles”. O que estão a fazer os partidos europeus
institucionais é juntar-se à extrema-direita, alegadamente para não a deixar
ganhar muitos votos. É o que se passa com David Cameron (acossado pelo partido
eurocéptico UKIP que defende a saída do Reino Unido da União Europeia) e por
François Hollande que vai perder rotundamente as próximas europeias para a
herdeira do senhor Le Pen. Quanto à Alemanha, os seus dirigentes já não têm as
memórias da Segunda Guerra Mundial – foi a presença dessa memória que ajudou a
transformar a Europa nos últimos 50 anos num lugar civilizado.
A questão vai muito
além do simples facto de haver “muito mais gente” a poder partilhar a alínea do
tratado fundador que fala da livre circulação. É de quem se trata, da sua cor
de pele e dos seus rendimentos disponíveis. No dia 1 de Janeiro, a livre circulação
deveria ser aberta a búlgaros e romenos. Ora, como se sabe, uma grande
quantidade de búlgaros e romenos são ciganos. Os ciganos nunca foram bem vindos
na Europa – Hitler chacinou--os como fez aos judeus – e a Europa prepara-se
para lhes vedar a entrada a que legalmente têm direito a partir de Janeiro.
Toda esta gente que nos últimos dias encheu a boca com o legado de Mandela, em
tudo o que toca envergonha o legado de Mandela. Existe um “apartheid” europeu,
mas esse assunto não interessa nada.
PS. Soares fez 89
anos, em luta. É o único socialista que incomoda a sério a direita.
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