Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Há quem tenha
ficado muito revoltado, chocado até, com a posição assumida pelo secretário de
Estado da Integração Europeia, Bruno Maçães, numa mesa redonda sobre
"governância económica e crise europeia", em Atenas. Em termos muito
simples, este cavalheiro, representando o Estado português, mostrou total
alinhamento com as posições alemães e contra qualquer tipo de iniciativa, dos
países mais afectados pela crise, para encontrar uma alternativa. Mais tarde,
quando acusado de ser mais troikista que a troika, mais alemão que os alemães e
fanático da velocidade do ajustamento, veio para uma rede social orgulhar-se de
assim ser tratado.
Ora, eu acho que o
ex-autor de discursos de Passos Coelho merece ser elogiado. Não pelas posições
expressas, mas pela maneira clara e desassombrada como exprimiu a posição do
Governo português e as convicções políticas e ideológicas de quem nos governa.
Bruno Maçães, um
dos principais ideólogos do primeiro-ministro, fez cair todas as máscaras. Não
é que já não suspeitássemos, mas agora ficou absolutamente claro que o Governo
não negoceia com a troika. Ou melhor, negoceia mas dentro do espírito "tu
dizes mata, e eu esfola". Hoje, estes liberais de badana devem estar a
esconjurar Gaspar, esse traidor que não percebeu o sentido da História.
Espero que agora
não exista mais discussão sobre o porquê do Governo ter aplicado o dobro da
austeridade contratada no memorando. Nem sobre se o primeiro-ministro queria
dizer outra coisa quando afirmou que este seria sempre o seu programa, mesmo
sem memorando. Ficou cristalino que aquilo de ir para além da troika não foi um
"erro de comunicação". Era mesmo assim. E às tantas até foi escrito
pelo Maçães.
Afinal não se pediu
nada. Nem mais prazo, nem menos esforços para a classe média, nem para ninguém:
é preciso esmagar. "Drill, baby, drill": o Maçães é capaz de ter
aproveitado este slogan desse movimento que tanto admira, o Tea Party americano
- é um confesso admirador e apoiante de Sarah Pallin -, e sugerido aos nossos
credores que o adaptassem aos portugueses: "Perfurem, rapazes, perfurem,
que os meus concidadãos ainda não estão secos."
Como é do
conhecimento de quem frequenta este espaço, não tenho dúvida nenhuma de que o
caminho prosseguido pela Europa e caninamente seguido pelo Governo português
está a levar a própria Europa, e ainda mais rapidamente Portugal, para uma
situação que terminará em desagregação económica, social e, finalmente,
política. Que no fim deste "reajustamento", não vai haver nada para
reajustar: nem empresas, nem emprego, nem nada. Que o nosso incipiente Estado
social se tornará uma gigantesca sopa de pobres. Que o fim acelerado da classe
média destruirá a democracia.
É, no entanto, esse
o fim do caminho que Passos Coelho, Maçães e camaradas defendem. Na perspectiva
deles, o País estará muito melhor depois de tudo isso acontecer. Pensarão, com
certeza, que a democracia - uma democracia sem classe média e em que a
liberdade económica será tudo e as outras liberdades pouco ou nada - se aguentará.
A vida vista desde um gabinete na faculdade, rodeado de grandes idealistas que
nunca conheceram uma empresa, uma exploração agrícola, uma fábrica, um
hospital, uma escola pública, uma família pobre ou sequer de classe média deve
ser um mundo fantástico. Onde se mexe na folha de cálculo, se tira dali e põe
acolá, e tudo bate certo. Onde se pensa que a liberdade pode existir sem
igualdade e a igualdade é um conceito comunista.
E o serviço
nacional de saúde, a educação pública ou o salário mínimo instrumentos
limitadores da liberdade individual. Um mundo dividido entre fortes e fracos,
vencedores e derrotados, empreendedores e funcionários, velhos e novos, ricos e
pobres.
Muito se podia rir
a esquerda, se não tivesse em grande parte também entregue a patetas parecidos
com estes. Gente que pensa que os direitos crescem nas árvores e que o dinheiro
é uma coisa que se produz numa máquina. Visionários que dão como garantido que
não há altos e baixos na vida da comunidade e que os filhos ficarão sempre
melhor que os pais. Tipos que julgam que as dívidas são uns papéis sem valor.
Lunáticos que acham que o Estado social é um dado adquirido e que não exige um
constante esforço de adaptação aos tempos, às condições económicas e à
realidade social.
Neste momento estamos
nas mãos do Tea Party à portuguesa e de indivíduos como o Bruno
"Pallin" Maçães. Os irmãos americanos destes inconscientes estão a
destruir o Partido Republicano e a direita americana. Estes estão apenas a destruir
a direita e o centro-direita português - sob o olhar de quem apenas critica
pela calada e espera pela "melhor oportunidade" para os parar.
Nos Estados Unidos,
esta gente não conseguiu levar os seus planos para a frente. Tinha de nos
calhar a nós, desgraçados portugueses, sermos o laboratório deste bando de
loucos furiosos.
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