sábado, 7 de dezembro de 2013

TIMOR-LESTE QUER “DESPEDIR” JUÍZES PORTUGUESES

 

Ana Paula Azevedo e Felícia Cabrita - Sol
 
O Ministério da Justiça de Timor-Leste decidiu cessar as comissões de serviços de dois juízes portugueses que desempenham funções no Tribunal Superior e que são acusados de terem sido permeáveis a pressões para condenar e prender uma antiga ministra daquele país. Mas a situação está num impasse, uma vez que o Conselho Superior de Justiça de Timor quer renovar os contratos aos dois magistrados.
 
Este é mais um episódio de uma guerra envolvendo os juízes portugueses em Timor, que se arrasta desde o início do ano, tendo no centro a conduta dos referidos magistrados, Rui Penha e Cid Geraldo, denunciada aos conselhos superiores da magistratura (CSM) português e timorense. Em Portugal, o CSM tem em curso há vários meses uma averiguação disciplinar, segundo informação que confirmou ao SOL.
 
Em causa está a actuação daqueles magistrados no processo em que é arguida Lúcia Lobato, ex-ministra da Justiça de um anterior Governo de Xanana Gusmão, condenada em Junho de 2012, no Tribunal Distrital de Díli, a cinco anos de prisão, por crime de participação económica em negócio, no âmbito de uma compra de fardas para a guarda prisional. A arguida recorreu da condenação para o Tribunal de Recurso - onde um colectivo integrado por Cid Geraldo e outros dois juízes, Guilhermino da Silva e Deolindo dos Santos, manteve a condenação.
 
A defesa de Lúcia Lobato interpôs então um recurso, invocando inconstitucionalidades - recurso que veio a ser apreciado e indeferido pelos mesmos juízes, quando deveria ter sido convocado outro colectivo. Sem que tivesse passado o prazo do recurso, foram emitidos mandados de captura e a ex-ministra presa de imediato, a 22 de Janeiro deste ano.
 
'Erros técnicos graves’ e 'independência em causa'
 
Lúcia Lobato avançou então com um habeas corpus, alegando prisão ilegal - que foi apreciado e indeferido por um colectivo composto pelos juízes José Luís Goia (português), Natércia Gusmão Pereira e Cláudio Ximenes (português). Este, que é também presidente do Tribunal de Recurso, votou vencido, invocando que a prisão da ex-ministra é ilegal precisamente por lhe ter sido negada a apreciação das eventuais inconstitucionalidades por um colectivo diferente.
 
A meio do folhetim, Margarida Veloso, uma juíza-desembargadora portuguesa que esteve em Timor como inspectora judicial, recebeu um e-mail de um dos intervenientes no processo. Rui Pena, amigo da magistrada, narrava-lhe um complô judicial, que a fez denunciar o esquema ao Conselho Superior de Magistratura. Nesse e-mail, Penha revelava que o juiz José Goia (que seria inicialmente a favor da arguida) decidira indeferir o habeas corpus “sob ameaça de não ver o seu contrato renovado”. Além disso, relatava que ele próprio redigira a decisão do habeas corpus e que Goia a assumiu como sua. E a outra juíza do colectivo, Natércia Pereira Gusmão, “acabou por integrar o colectivo por influência de Cid Geraldo e José Góia”, para que a decisão não fosse tomada apenas por juízes internacionais.
 
Por detrás da alegada congeminação haveria a intenção de afastar o presidente do Tribunal de Recurso. O autor do e-mail - que apesar de este ter sido enviado do seu computador negou que tenha sido por si redigido - dirá mesmo que “foi uma novela com final feliz” e que “foi pena que o Dr. Cláudio (Ximenes) esteja cada vez mais isolado dos juízes nacionais”. “Mas eu e o Cid estamos mais credibilizados sendo esta a parte boa da situação” acrescentou.
 
Foi após a leitura da missiva e, depois do balanço entre a ética e a amizade que unia Margarida Veloso a Rui Penha, que a magistrada terá decidido escrever a carta aos conselhos das magistraturas dos dois países, denunciando que no processo de Lúcia Lobato foram cometidos “erros técnicos graves”, em que a “independência dos tribunais é posta em causa”. Margarida Veloso relatou então o que qualifica como “um comportamento inadmissível” por parte dos juízes Cid Geraldo e Rui Penha. Tudo “decisões ao revés da independência e livre arbítrio dos julgadores” e que “comprometem de forma irremediável o sistema judicial no seu todo, sobretudo num país em que o sistema judicial está numa fase embrionária”.
 
A denúncia de Margarida Veloso acabou também por chegar às mãos da defesa de Lúcia Lobato - que, desde Julho, a tem aproveitado para fazer sucessivos pedidos de revisão da sentença, invocando a falta de independência dos magistrados. Todos os incidentes de suspeição que suscitou contra os juízes em causa têm sido indeferidos pelo Tribunal de Recurso - mas pelos mesmos magistrados visados pela suspeição e que já antes se tinham pronunciado no processo.
 
Factos 'fantasiosos'
 
Nos acórdãos, estes consideram os argumentos de Lúcia Lobato “considerações fantasiosas”, “sem consistência” e sem provas. Mas estas decisões mereceram também o voto de vencido do presidente do Tribunal de Recurso, Cláudio Ximenes, que, em vão, lembrou aos seus colegas que estão impedidos de decidirem um incidente de suspeição em que são visados, além de terem “violado os deveres deontológicos” e “praticado crimes de coação sobre magistrado e denegação de justiça”.
 
Cláudio Ximenes foi, por seu turno, também alvo de um incidente de suspeição por parte do Ministério Público, tendo sido proibido de apreciar mais alguma questão que surja no processo de Lúcia Lobato, devido a declarações públicas que fez - o que foi decidido pelos juízes denunciados por Margarida Veloso.
 
O inquérito do CSM português, que já nomeou um inspector, está a avaliar a conduta de todos os juízes portugueses envolvidos nestes acontecimentos: “Essa exposição foi objecto de apreciação no plenário de 7 de Maio de 2013 e foi deliberado proceder a inquérito sobre todos os factos relatados”, diz ao SOL fonte oficial do CSM. O inquérito “ainda se encontra em curso e, até ao momento, o senhor inspector nomeado não se deslocou a Timor-Leste”. Segundo o SOL apurou, motivos financeiros estarão a atrasar esta diligência.
 

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