terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

ANGOLA E A PIRATARIA MARÍTIMA NO GOLFO

 

Eugénio Costa Almeida© - Pululu
 
Façamos uma nota prévia; na passada semana um navio grego de pavilhão liberiano, carregado com crude da Sonangol, foi dado como desparecido. Perspectivou-se, naturalmente, que o referido petroleiro poderia ter sido sequestrado por eventuais piratas marítimos com a agravante que a ter acontecido o facto teria ocorrido a cerca de 7,5 milhas (cerca de 11 kms) da cidade de Luanda, ou seja, em plenas águas territoriais angolanas (o limite é de 12 milhas, cerca de 19,5 kms, ao contrário da zona económica exclusiva que é de 200 milhas).
 
Ora, no passado domingo viemos a saber que o referido petroleiro teria, provavelmente, desligado as suas comunicações e com o apoio de um rebocador externo e, segundo me pareceu ter lido, já que não era clara a notícia, com o nome de um já existente – ou seja, com o apoio de um rebocador clonado – o petroleiro teria zarpado com destino à Nigéria o que se infere que haveria, em perspectiva, um caso claro de fraude económica e de – não o deixa de ser – pirataria marítima.
 
Sabe-se que as zonas do Corno de África (da Somália até perto de Moçambique) e do Golfo da Guiné (aqui mais perto das águas territoriais nigerianas) são considerados como dois polos onde a pirataria marítima fazem sentir a sua actividade. Isto, apesar de haver quem considere que não são credíveis estes factos ou que não se justifiquem que, academicamente, haja quem deseje estudar esta matéria no âmbito da Comissão do Golfo da Guiné (CGG) e da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS).
 
Recentemente, candidatei-me a uma bolsa para o Pós-Doutoramento (em Portugal, mesmo que se tenha um apoio de uma Universidade – para eles – estrangeira, no caso angolana, para um Pós-Doc temos sempre de solicitar o apoio bolseiro àquela instituição estatal, os avaliadores acharam que certos elementos de análise como, e passo a citar, “pirataria marítima, petróleo e uma série de outras questões” não se enquadravam no estudo o que tornavam “pouco claro o foco da análise”. Tudo isto enquadrado num Pós-Doc que estudaria e analisaria a ZOPACAS e a CGG.
 
Ora António Patriota, antigo Ministro das Relações Exteriores do Brasil, na sessão de abertura da ZOPACAS (ou ZPCAS) em Montevidéu, Uruguai, em Janeiro de 2013, referia-se, precisamente, como indispensável e necessário que os Estados ribeirinhos que formam a ZOPACAS e, por extensão a CGG, deveriam salvaguardar os seus direitos económicos nas zonas económicas exclusivas, nomeadamente, a defesa da extensão territorial, o petróleo, entre outros e combater por todos os meios a pirataria marítima que se começa a sentir, e com certa intensidade, no Golfo da Guiné (Almeida & Bernardino, 2013).
 
Só os avaliadores da FCT é que não pensam assim…
 
Ora como se inicia este texto há dias houve uma crise marítima nas águas territoriais angolanas com o “desaparecimento” de um navio-tanque, o Kerala, da empresa grega DynaCom Tankers (embora com pavilhão liberiano) que transportava no seu bojo crude da Sonangol.
 
A empresa afirma e atesta que houve um acto de pirataria! O Ministério da Defesa Nacional e a Marinha de Guerra testemunham que o que houve foi um desvio do navio por parte da tripulação, provavelmente – e isto sou eu que digo – para venderem o crude no mercado negro. Em qualquer dos casos, houve, efectiva e claramente, um acto de pirataria que deve ser frontal e com clareza combatido.
 
Para isso, é necessário que a nossa marinha tenha os meios necessários para esse desiderato.
 
Recordo que já em 2007, o então Chefe de Estado-Maior da Marinha de Guerra angolana, o Almirante Silva Cunha defendia que Angola precisava de reforçar os nossos meios marítimos, defendidos no seu “Ensino e formação em aliança estratégica”, quer com uma Escola Naval de Guerra, quer com a formação de novos oficiais vocacionados para as novas estratégias marítimas (ver Almeida, Eugénio Costa, 2011). Ora nestas enquadram-se, naturalmente, as novas formas de pirataria marítima e os danos que podem provocar numa economia emergente como é a nossa.
 
É certo que Angola recebeu há tempos alguns patrulheiros chineses para vigia das nossas águas territoriais. É igualmente verdade que vamos comprar alguns vasos de guerra à Alemanha (barcos de patrulha, já acordados na visita de Merkel a Angola, em 2011, então no valor de 7 a 17 milhões de USdólares/cada mas que só agora parece terem recebido ordem para avançar; será que os preços se mantem?).
 
Só que até estarmos preparados e salvaguardados de surpresas como a ocorrida – ainda que não devidamente justificada –, estaremos sempre sob o espectro da pirataria marítima com os naturais nefastos condicionamentos ao desenvolvimento da nossa economia e das nossas riquezas nacionais.
 
Salvo se estivermos disponíveis para colocar as nossas costas e as nossas riquezas da zone económica exclusiva sob a vigilância de terceiros, como, por exemplo, dos submarinos sul-africanos (eles têm ou vão comprar três), de marinhas de guerra da China, da Rússia, da Espanha, da França, dos submarinos portugueses ou dos norte-americanos da AFRICOM, com os naturais custos a nos serem imputados…
 
Não se é porque se quer, mas é-se porque temos condições para isso: refiro-me, naturalmente, em sermos uma potência regional!
 
Fontes: Almeida, Eugénio Costa & Bernardino, Luís M. Brás, “A Comissão do Golfo da Guiné e a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”, in: Revista Militar, nº 2532, de Janeiro/2013, pp: 43-61;
 
Almeida, Eugénio Costa, “Angola potência regional em emergência”, (tese de doutoramento), edições Colibri, 2011, pp. 159.
 
©Artigo de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, secção “1º Caderno” ed. 314 de 31-Janeiro-2014, pág. 22)
 
*Eugénio Costa Almeida* – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.
 

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