Tomás Vasques –
jornal i, opinião
O Estado foi
ocupado por quem o quer desacreditar e dele se quer desfazer, reduzindo-lhe a
capacidade de intervenção e a dignidade
Os resultados
económicos do último semestre de 2013, que levam o governo a embandeirar em
arco, levianamente, por razões eleitorais, resultam, sobretudo, do crescimento
do consumo privado. Por isso, mal se entende este foguetório do governo, quando
são as decisões do Tribunal Constitucional que, em larga medida, estão na
origem do minguado crescimento que o primeiro-ministro apresenta como
"prova" do sucesso das suas políticas de austeridade. Foi,
precisamente, contrariando medidas severas de empobrecimento, propostas pelo
governo, declaradas inconstitucionais, que foi permitido um maior desafogo às
famílias e o consequente aumento do consumo. Mas, mais significativo do que
estes "sinais positivos", é que a austeridade dos últimos três anos
tem aumentado continuamente a dívida pública. Esta, que ronda os duzentos e
vinte mil milhões de euros e ultrapassa os 130% do PIB, não pode ser reduzida
sem mais carga fiscal e sem mais austeridade. É o ciclo vicioso a que nos
conduz, se não for interrompida, a política de austeridade custe o que custar.
Mas o estado a que
chegámos não resulta só desta saga perversa da austeridade. O Estado foi
ocupado por quem o quer desacreditar e dele se quer desfazer, reduzindo-lhe a
capacidade de intervenção e a dignidade. Todos os dias somos surpreendidos por
novos factos e ainda não começou o degradante espectáculo, provavelmente
televisivo, da "factura da sorte", sorteio semanal de um carro
"topo de gama", promovido pelo governo, a que concorrem todos os
contribuintes que se disponibilizem a colaborar com a fiscalização do
ministério das Finanças. E o governo já anunciou que haverá, para além dos
habituais, mais dois sorteios extraordinários, com três prémios de uma só vez.
Deve ser para estimular, ainda mais, esta "cidadania de casino"
promovida pelo governo.
Na semana passada,
talvez contagiada pela "factura da sorte", a presidente da Assembleia
da República, Assunção Esteves, propôs aos deputados que se procurassem
patrocínios que pagassem as iniciativas das comemorações dos 40 anos da
"revolução dos cravos" a promover por aquele órgão de soberania.
Circulou por aí, na comunicação social, que uma das ideias da segunda figura do
Estado, para lembrar "o dia inicial inteiro e limpo", era cobrir toda
a fachada do Parlamento com uma intervenção de Joana de Vasconcelos. Como quem
paga quer retorno, é de supor, sem caricaturar, que não estava fora de questão
ver, no topo do Palácio de São Bento, uma faixa, a todo o comprimento, a
anunciar cinquenta por cento de desconto no peixe numa qualquer cadeia de
supermercados. Por este caminho e com este "pensamento de Estado",
qualquer dia, ainda vamos ver a Presidência da República a solicitar o
patrocínio de um banco ou de uma multinacional para realizar as comemorações do
dia de Portugal.
Mas não ficamos por
aqui. Os exemplos sucedem-se, uns atrás dos outros: o governo português tem uma
posição de "apoio empenhado e construtivo" à entrada, como membro de
pleno direito, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, da Guiné
Equatorial, governada há décadas por Teodoro Obiang, um dos ditadores mais
sanguinários de África. A posição do governo português, neste caso, pode ter a
ver, também, com outro "patrocínio": o ditador da Guiné Equatorial
estaria disposto a investir mais de 130 milhões de euros no BANIF.
Estes factos não
são isolados: correspondem ao "pensamento" de quem nos governa sobre
os cidadãos, a sociedade e o papel do Estado. Por isso, entraram na rotina,
como parte substancial da "reforma" do Estado. De um "Novo
Estado".
Jurista
Escreve à
segunda-feira
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