segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Portugal: A CAMINHO DO NOVO ESTADO

 

Tomás Vasques – jornal i, opinião
 
O Estado foi ocupado por quem o quer desacreditar e dele se quer desfazer, reduzindo-lhe a capacidade de intervenção e a dignidade
 
Os resultados económicos do último semestre de 2013, que levam o governo a embandeirar em arco, levianamente, por razões eleitorais, resultam, sobretudo, do crescimento do consumo privado. Por isso, mal se entende este foguetório do governo, quando são as decisões do Tribunal Constitucional que, em larga medida, estão na origem do minguado crescimento que o primeiro-ministro apresenta como "prova" do sucesso das suas políticas de austeridade. Foi, precisamente, contrariando medidas severas de empobrecimento, propostas pelo governo, declaradas inconstitucionais, que foi permitido um maior desafogo às famílias e o consequente aumento do consumo. Mas, mais significativo do que estes "sinais positivos", é que a austeridade dos últimos três anos tem aumentado continuamente a dívida pública. Esta, que ronda os duzentos e vinte mil milhões de euros e ultrapassa os 130% do PIB, não pode ser reduzida sem mais carga fiscal e sem mais austeridade. É o ciclo vicioso a que nos conduz, se não for interrompida, a política de austeridade custe o que custar.
 
Mas o estado a que chegámos não resulta só desta saga perversa da austeridade. O Estado foi ocupado por quem o quer desacreditar e dele se quer desfazer, reduzindo-lhe a capacidade de intervenção e a dignidade. Todos os dias somos surpreendidos por novos factos e ainda não começou o degradante espectáculo, provavelmente televisivo, da "factura da sorte", sorteio semanal de um carro "topo de gama", promovido pelo governo, a que concorrem todos os contribuintes que se disponibilizem a colaborar com a fiscalização do ministério das Finanças. E o governo já anunciou que haverá, para além dos habituais, mais dois sorteios extraordinários, com três prémios de uma só vez. Deve ser para estimular, ainda mais, esta "cidadania de casino" promovida pelo governo.
 
Na semana passada, talvez contagiada pela "factura da sorte", a presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, propôs aos deputados que se procurassem patrocínios que pagassem as iniciativas das comemorações dos 40 anos da "revolução dos cravos" a promover por aquele órgão de soberania. Circulou por aí, na comunicação social, que uma das ideias da segunda figura do Estado, para lembrar "o dia inicial inteiro e limpo", era cobrir toda a fachada do Parlamento com uma intervenção de Joana de Vasconcelos. Como quem paga quer retorno, é de supor, sem caricaturar, que não estava fora de questão ver, no topo do Palácio de São Bento, uma faixa, a todo o comprimento, a anunciar cinquenta por cento de desconto no peixe numa qualquer cadeia de supermercados. Por este caminho e com este "pensamento de Estado", qualquer dia, ainda vamos ver a Presidência da República a solicitar o patrocínio de um banco ou de uma multinacional para realizar as comemorações do dia de Portugal.
 
Mas não ficamos por aqui. Os exemplos sucedem-se, uns atrás dos outros: o governo português tem uma posição de "apoio empenhado e construtivo" à entrada, como membro de pleno direito, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, da Guiné Equatorial, governada há décadas por Teodoro Obiang, um dos ditadores mais sanguinários de África. A posição do governo português, neste caso, pode ter a ver, também, com outro "patrocínio": o ditador da Guiné Equatorial estaria disposto a investir mais de 130 milhões de euros no BANIF.
 
Estes factos não são isolados: correspondem ao "pensamento" de quem nos governa sobre os cidadãos, a sociedade e o papel do Estado. Por isso, entraram na rotina, como parte substancial da "reforma" do Estado. De um "Novo Estado".
 
Jurista
 
Escreve à segunda-feira
 

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