segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Portugal: A OPOSIÇÃO FAZ DE CONTA

 

Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
 
Poucas semanas como as últimas demonstraram o estado do Partido Socialista. Começou com a absoluta mudez acerca da execução orçamental de 2013 e terminou com as perturbações com a chamada oposição interna. Pelo meio tivemos uma proposta abstrusa sobre tribunais especiais para investidores estrangeiros, promessas de reaberturas dos que o Governo está a fechar e a novela da escolha do cabeça de lista para as Europeias. O laçarote deste embrulho foi a sondagem ontem divulgada pelo Expresso que põe a coligação PSD/CDS a três pontos de distância do PS nas intenções de voto.
 
Poucos ficarão surpreendidos com tal proximidade. No fundo, o que dividiu o PS do Governo em termos de grandes opções? Pouco, muito pouco. O PS achava que era preciso mais tempo e metas mais realistas, e de facto os valores do défice foram revistos e foi dado mais tempo. O pacto orçamental era peça fulcral da política europeia e do Governo, e o PS assinou. O Governo quis diminuir o IRC e não o IRS, ou seja, taxar mais os trabalhadores e menos o capital, o PS aprovou. O Governo, a partir de certa altura, resolveu culpar Sócrates por todos os males do mundo, e o PS ficou mudo e quedo, mas até podiam sentir-se as palmas de contentamento da atual direção. Mas, sobretudo, a sensação que passa é que o PS pouco ou nada, na essência, faria de diferente. Talvez um bocadinho ao lado, talvez falando um bocadito mais grosso na Europa, mas nada de substancial.
 
É normal que o PS tenha ficado sem pio com a execução do Orçamento de 2013. O PS sempre pôs a tónica no não cumprimento das metas, não na essência das medidas. Só isso explica o silêncio. O Governo define as regras do jogo e o PS aceita.
 
Também não espanta, portanto, que Seguro só não tivesse assinado o pacto de regime, proposto por Cavaco Silva, porque a pressão de figuras históricas do PS foi demasiada. Era capaz de apostar singelo contra dobrado que o acordo com o PSD era total. Seria, aliás, interessante conhecer as atas das reuniões e desconfio que elas serão "libertadas" à medida dos interesses eleitorais do PSD. Também sou capaz de jurar que Seguro vai pagar caro ter dado o dito por não dito a Cavaco Silva.
 
A verdade é que para o Governo, Seguro foi o homem certo no momento certo. Alguém que fingiu que se opunha, que não incomodou e que se limita a esperar pela vez dele.
 
O PS não está sem discurso, ao contrário do que se diz, o PS tem simplesmente o mesmo discurso do Governo. É aliás por isso que se perde em propostas avulsas que soam a demagogia e a populismo. O anúncio de que se irão reabrir os tribunais que foram encerrados, baseia-se em que estudos? Não tinha o PS há poucos anos uma proposta muito parecida? Claro que sim. E será que alguém pensou no disparate de propor um tribunal para estrangeiros e para empresas ricas, dizendo basicamente que teríamos de acelerar a justiça para uns e mantê-la lenta para outros? O que fica claro é que não há estratégia nenhuma, há vontade de dizer coisas para ocupar o espaço.
 
Também não é estranho que o PS e Seguro ainda não tenham o cabeça de lista às europeias designado e a fazer campanha. Primeiro, o PS não tem discurso alternativo para a Europa (onde é aliás acompanhado por todo o centro-esquerda europeu). O pacto orçamental e a colagem a Hollande foram fatais; depois, como esta direção sofre de aparelhite aguda, jamais poderia colocar alguém que não fosse da estrita confiança política de Seguro, o que por si só exclui praticamente todas as figuras relevantes e com notoriedade dos socialistas. Sobrava Francisco Assis, mas este, pelos vistos, fartou-se de esperar.
 
Mas pior do que a atual direção do PS, só mesmo a sua oposição interna. Já cansa a conversa estafada dos críticos. Vem uma eleição e lá voltam eles ao "agarrem-me senão eu mato-o". É uma história de que conhecemos o princípio e o fim: grandes críticas, grandes exigências de resultados eleitorais e depois... nada. Dá muito trabalho, "a máquina está dominada" (nunca saberemos se é verdade ou não), não é o tempo certo.
 
Só há dois grupos de pessoas que ligam aos críticos da atual direção: Seguro e a sua equipa e parte da direção do PSD. Os primeiros, como pensam que a governação lhes acabará por cair nas mãos, preocupam-se sobretudo com o poder dentro do partido, e aí são exímios no combate e rápidos na resposta. Os segundos vivem preocupados com o possível afastamento de Seguro.
 
A grande preocupação atual do PSD é não ganhar as europeias e apenas perdê-las por pouco, isso, segundo eles, manterá Seguro. A última coisa que quereriam é não enfrentar o atual secretário-geral nas legislativas. Mas não têm de se preocupar nem com uma derrota nas europeias Seguro sairá.
 
Sem Governo e sem oposição. Era mesmo disto que precisávamos.
 

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