Expresso
das Ilhas (cv) - editorial
O Primeiro-ministro
José Maria Neves anunciou no passado dia 10 de Março um segundo fórum nacional
de transformação “para traçar novos rumos para a nação”. O I Fórum
realizou-se em 2003 e foi, segundo ele, um “momento de importância transcendente”
e serviu para definir “uma visão de futuro e traçar caminhos”. Hoje considera a
missão cumprida com “o ultrapassar da fase de sobrevivência e caminhar para um
desenvolvimento sustentado com base na competitividade”. O II Fórum
diferentemente do Iº projectar-se-á não por dez anos mas por 15 anos realizando
os objectivos de fazer Cabo Verde um país desenvolvido em 2030.
Nestas declarações
do Sr. Primeiro-ministro chama logo a atenção o facto de essas datas desses foratransformacionais,
2003 e 2014, não coincidirem com os momentos em que o voto popular sufraga
programas de governação. Tão pouco o tempo que exigem para a implementação dos
respectivos planos estratégicos, 10 anos para o I Fórum e 15 anos para o IIº
coincide com o mandato popular de 5 anos. É evidente que tudo isso briga com a
própria noção de democracia no que respeita à legitimidade no exercício do
poder: os mandatos fixos, a responsabilização pelos resultados e a prestação de
contas, e a alternância na governação. Não se está propriamente no mundo dos
“planos quinquenais sucessivos” e dos “grandes saltos em frente”.
No nosso
sistema democrático, o governo no início do mandato apresenta ao Parlamento um
programa de governação válido por cinco anos baseado na plataforma eleitoral e
nas promessas com que ganhou as eleições. Não se espera que venham criar fora que
redefinam o programa aprovado na Assembleia Nacional e estendam o tempo para a
consecução de objectivos para além da legislatura. A legitimidade democrática
para se realizar o “o quê e como” tem que ser assegurada nos momentos certos.
Tentar definir em fórum governamental o que compete de facto ao pleito
eleitoral de 2016, não é curial. Apresentado sob a capa de consenso nacional e
amparado na muleta do financiamento do Escritório das Nações Unidas poderá ser
visto como tentativa de esvaziamento do indispensável debate sobre a situação
actual do país e sobre propostas alternativas de governação que precederá à
realização das eleições legislativas.
Quer-se também com
o anúncio de um II Fórum proclamar que Cabo Verde estará a entrar numa nova
etapa já com a devida preparação para ser um país desenvolvido em 2030. De
facto, em 2014 Cabo Verde passa a ser considerado país de rendimento médio,
significando isso essencialmente redução da ajuda externa e o fim do acesso a
empréstimos concessionais. Com a graduação a rendimento médio assume-se que no
país já existe estrutura produtiva diversificada, capacidade de atracção de
capital directo estrangeiro em volume e qualidade que ultrapassam os fluxos da
ajuda externa e credibilidade para se financiar no mercado internacional nos
termos comerciais do mercado. A realidade, porém, é que talvez em demasiados
casos, países que se graduam, depois vêem-se apanhados numa armadilha
caracterizada por crescimento anémico, elevado desemprego e deterioração dos
equilíbrios externos, o chamado “middle income trap”.
O ex-presidente
brasileiro Fernando Henrique Cardoso numa entrevista recente ao jornal Público
alertou para os riscos de mesmo um país colosso como o Brasil ser apanhado
nessa armadilha. As razões para isso, segundo ele, estão no facto de não se ter
dado continuidade às reformas estruturais e mudanças no ambiente de negócios
que tornariam os serviços públicos mais eficientes, o capital humana mais
produtivo e a economia globalmente mais competitiva. Adiamento das reformas
deveu-se em parte à euforia dos anos dos altos preços das commodities,
matérias-primas e produtos agrícolas. A factura veio depois com o baixo
crescimento, desemprego e agitação social devido à quebra na expectativa das
pessoas.
Em Cabo Verde, a
euforia que atrasou reformas tem uma base ainda mais precária. Sustenta-se
essencialmente na ajuda externa e no acesso a créditos concessionais que
permitiram que o país parecesse moderno em betão e asfalto enquanto a
administração pública permanecia ineficiente e hostil à iniciativa privada,
deixava-se a base da economia afunilar-se ao turismo e permitia-se que o investimento
na educação e na formação dos jovens não contribuísse grandemente para sua
empregabilidade. Em consequência, no momento de graduação, a dívida pública
situa-se oficialmente em 98% do PIB, o desemprego atinge os 16,8%, o
crescimento económico limita-se a 1,5% do PIB e no ranking de Competitividade e
do Doing Business, Cabo Verde está respectivamente na posição 122 em 148 países
e 121 em 189 países.
Impõe-se que os
cabo-verdianos enfrentem a situação com toda a liberdade para melhor decidirem
sobre que orientação futura dar ao país. Isso porém faz-se no período eleitoral
próprio. Nenhum fórum dirigido pelo governo deve querer substituir o que deve
ser o processo próprio para se debater a governação do país e a escolha de quem
o deverá liderar. Fugas em frente para se procurar eximir de responsabilidades,
para evitar o debate aberto dos problemas e impedir que propostas alternativas
sejam abertamente apresentadas não deviam merecer apoios ou patrocínios
de ninguém.
sábado, 15 março
2014 00:03
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