"Política
orçamental de estímulos e reestruturação da dívida podem corrigir os estragos
em Portugal" – Michael Ash
Michael Ash é um
dos 74 subscritores estrangeiros do manifesto pela reestruturação da dívida
portuguesa. Ganhou notoriedade no verão passado com a crítica à teoria inicial
de Reinhart e Rogoff acerca do sobreendividamento público.
Jorge Nascimento
Rodrigues – Expresso
"Uma política
orçamental de estímulos em conjugação com uma reestruturação de dívida pública
pode melhorar os estragos feitos pela crise financeira, pela Grande Recessão
que se lhe seguiu e pelos mal escolhidos programas de austeridade impostos pela
troika", diz Michael Ash, professor de Economia e de Políticas Públicas da
Universidade de Massachusetts em Amherst, nos Estados Unidos, e um dos 74
economistas estrangeiros que apoiaram o manifesto pela reestruturação da dívida
portuguesa lançado por 74 economistas portugueses.
Ash, o colega
Robert Polin e o aluno de doutoramento Thomas Herndon ganharam notoriedade no
verão do ano passado quando revelaram os erros de base da teoria inicial de
Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff sobre um alegado limiar de 90% do PIB a partir
do qual o sobreendividamento público geraria inevitavelmente recessão
económica.
Por que razão
decidiu apoiar o manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa, a dois
meses do final do programa de resgate da troika?
Devo começar por assinalar que não tenho intenção de interferir com a discussão
e o processo democrático em Portugal. Tenho plena confiança em que o povo
português tomará excelentes decisões para o seu país. Posto isto, há que
sublinhar que a economia portuguesa foi bastante danificada pela crise
financeira de 2008, depois pela Grande Recessão que se lhe seguiu e pelos mal
escolhidos programas de austeridade impostos pela troika. Os estragos são mais
evidentes na taxa de desemprego, que é um desastre social e humano, e em outros
indicadores sociais perigosos (emigração, saúde, educação), mas também no
crescimento fraco e, apesar de uma política de austeridade severa, no
crescimento da própria dívida pública.
Qual a saída,
então?
Uma política orçamental de estímulos em conjugação com uma reestruturação da
dívida pode corrigir os estragos.
Uma ideia central
do manifesto português é conseguir uma mutualização de parte da dívida pública.
É uma solução para o recuo substancial do sobreendividamento?
A Europa necessita de uma mutualização orçamental. Ou seja, a União Europeia
deve comportar-se mais como uma união orçamental, se pretende proteger e elevar
o bem-estar de grande parte da sua população. A mutualização da dívida pública
pode contribuir para esse processo. Mas não sou especialista em detalhes de
mutualização.
É possível
legalmente avançar nesse sentido?
Há limitações estatutárias atualmente em relação a subsídios entre países
membros na gestão da dívida pública, que alguns acham que são barreiras à
mutualização. Outros invocam inclusive o risco moral como razão para não haver
mutualizações.
E o risco moral não
é relevante?
A hecatombe do sector financeiro em 2008 foi mutualizada. Eu sou a favor de que
o fardo da crise e da recessão seja repartido por todos os sectores da Europa,
na base da responsabilidade, da capacidade de pagar, e da possibilidade de
melhorar o crescimento económico sustentável. E tudo isso aponta para
mutualização da dívida.
Mas é politicamente
viável no atual quadro europeu?
Não me sinto qualificado para predizer sobre a viabilidade política. Mas pode
haver surpresas - em que o impensável num dado ano se torne evidente no ano
seguinte.
Portugal não
necessitará, para começar, de uma reestruturação da dívida pública ao estilo
clássico, com um corte profundo no valor facial da dívida, que, mesmo em termos
líquidos, já rondava os 200 mil milhões de euros no final do ano passado?
Necessitar é uma palavra forte. Eu creio que uma política de estímulos que faça
regressar rapidamente Portugal - e outros países da periferia europeia - a um
crescimento real e nominal partilhado pode reduzir rapidamente, em termos
relativos, a importância da dívida pública, sem necessidade de um "corte
de cabelo" (hair cut).
Mas isso chegará a
tempo?
Bom, dito o que disse atrás, inverter o ónus gerado por um sector financeiro
europeu altamente irresponsável, fazendo recair o fardo nesse sector e
retirando-o de cima das famílias trabalhadoras de Portugal, da Grécia e
inclusive da Alemanha, será justo e estimulante. Nesse quadro, um "corte
de cabelo" pode contribuir para restaurar um crescimento equilibrado, mais
do que reescalonamentos de prazos ou ajustamentos de juros.
Uma das críticas
que se faz hoje ao processo de reestruturação na Grécia em 2012 é que poupou o
sector oficial dos credores. Além do envolvimento do sector privado, não é
necessário um envolvimento do sector oficial no corte da dívida?
As reestruturações de dívida são complexas. E pode ser, de facto, difícil
depender apenas dos mecanismos privados de mercado para redistribuir o fardo da
dívida. No artigo "O elefante branco das recompras", Jeremy Bulow e
Kenneth Rogoff, já em 1988, avisavam que [um processo de recompras ou trocas de
dívida] em países sobreendividados "poderia simplesmente ser uma forma de
usar recursos escassos para subsidiar os credores". A reestruturação da
dívida pública, no atual contexto português e europeu, necessita muito do
envolvimento de um sector oficial que responda democraticamente.
Leia a carta de
Louçã que mobilizou os 74 estrangeiros
"Fiz o que
tinha a fazer", afirma Francisco Louçã
Angela Silva –
Expresso
"Apelo por
Portugal", chamou Louçã à carta que enviou a colegas universitários nos
Estados Unidos e Inglaterra a pedir que recolhessem assinaturas "entre
colegas e amigos" para o manifesto pela reestruturação da dívida.
O Expresso
mostra-lha a carta. "Fiz o que tinha a fazer", afirma Francisco
Louçã, "sempre em coordenação com João Cravinho", o "pai"
da ideia.
A carta de Francisco Louçã (em inglês)
Dear colleagues,
You are certainly
aware of the discussions among economists in the countries under the troika
programs. In the case of Portugal, a new fact changed the context of the
national debate on austerity: 74 economists, including an impressive number of
ex-finance ministers of previous left and right wing governments, made a call
for restructuring of the debt and challenging austeriry. I signed it and all
those supporting a new strategy for employment and growth.
This is very
important, since in a couple of weeks a decision will be made on what will
happen after the end of the troika program (may 17th). This call for the
restructuring of the debt and a new policy generated a new perspective: the
IMF, the European Commission and of course the Government made public
statements against our call.
An european
perspective would be most welcome on this. I attach a small text in this sense.
It would be most helpful if some renamed economists could stand for this.
Could you sign it?
Would you help diffusing the text for signatures among colleagues and friends?
All the best
Francisco
*Título PG
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