quarta-feira, 19 de março de 2014

Xanana recorda "exemplo de reconciliação" para justificar compra de armas à Indonésia




Jacarta, 19 mar (Lusa) - O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, justificou hoje em Jacarta, na Indonésia, a compra de armas ao país vizinho evocando razões económicas e lembrando que Timor-Leste deu "um exemplo de reconciliação" ao mundo.

A Fundação Mahein - Monitorização, Pesquisa, e Advocacia do Setor da Segurança criticou, em fevereiro, a compra, invocando razões de moralidade e a qualidade do material.

"Se queremos comprar coisas para fazer guerra, compramos todos ao Estados Unidos", ironizou o chefe do Governo timorense, em declarações à agência Lusa, à margem do quarto Diálogo Internacional sobre Defesa de Jacarta, na Indonésia.

O primeiro-ministro timorense apontou sobretudo "razões monetárias" para a escolha da Indonésia, tal como para a compra de "dois barcos de patrulha à China".

Xanana Gusmão, que tem também a pasta da Defesa, recordou que "mais de 70 por cento do comércio" do país é com a Indonésia e defendeu que se a compra tivesse tido em conta o passado, Timor-Leste teria de "comprar só as [armas] da Austrália".

"Mas porquê à Austrália, se a Austrália apoiou os indonésios a matarem-nos? Ora, vamos comprar a quem?", completou, recusando-se, no entanto, a falar em feridas do passado.

"Nós demos um exemplo de reconciliação ao mundo", vincou Xanana Gusmão, lamentando que o Cambodja ainda esteja "a explorar as feridas" do passado e que Israel e Palestina nunca mais resolvam os seus problemas "por causa desta coisa de estar constantemente ferido".

O regime ditatorial de Suharto ocupou Timor-Leste de dezembro de 1975 a outubro de 1999, numa ação que terá feito perto de 100 mil mortos numa população de cerca de um milhão.

Questionado também sobre se teme que o eventual regresso de elementos das antigas milícias pró-Indonésia que se encontram refugiados na parte indonésia da ilha de Timor cause problemas entre os timorenses, o governante respondeu que não.

Em causa está o facto de as autoridades de uma aldeia de Timor Ocidental, junto à fronteira, terem começado, no final de fevereiro, a identificar e a deportar cidadãos timorenses por causa das eleições legislativas de 09 de abril, segundo uma notícia do jornal The Jakarta Post.

"Penso que não. Hoje temos mais de seis a oito milhares de estudantes a virem para aqui, portanto essa é uma questão do passado", respondeu.

Apesar de admitir que esses elementos pró-Indonésia se sintam protegidos do outro lado da fronteira, Xanana Gusmão sublinhou que "não se pode dizer que depois da independência" Timor-Leste tenha fechado "as portas todas", até porque "eles vão e vêm".

"Respeitamos as medidas tomadas pelas autoridades da Indonésia, na medida em que precisam de uma certa estabilidade", referiu, respondendo que os líderes indonésios "estão todos ocupadíssimos com as campanhas" eleitorais, quando questionado se abordou o assunto junto de responsáveis do país vizinho.

O chefe do Governo timorense mostrou-se ainda confiante de que a disputa sobre a pequena percentagem da fronteira entre a Indonésia e Timor-Leste por delimitar fique resolvida em 2014, por esperar que o Presidente indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono, antes de terminar o mandato, em outubro, se desloque a Timor-Leste e fale com o seu homólogo timorense, Taur Matan Ruak.

"De certa forma, estamos todos de acordo (...) A delimitação que nos guia é o acordo que portugueses e holandeses fizeram há anos atrás", disse, lembrando que a discussão deve envolver as comunidades locais.

Questionado ainda sobre os seus planos para depois de abandonar o cargo de primeiro-ministro este ano, o líder histórico da resistência à ocupação indonésia de Timor-Leste não se mostrou interessado em eventualmente ocupar um cargo internacional.

"Não é Timor que precisa de mim, eu é que preciso de contribuir ainda", esclareceu, concretizando que deseja apoiar o país "com umas ideias", enquanto regressa ao seu "sonho", "cultivar abóboras".

AYN // VM - Lusa

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