Segundo Ministério
do Trabalho e Emprego, 185 trabalhadores foram escravizados na construção do
que é considerado o maior mineroduto do planeta
Stefano Wrobleski, de
São Paulo (SP) – Brasil de Fato
Mais uma vez,
operação de fiscalização flagrou trabalho escravo na construção do Sistema
Minas-Rio, megaobra para a abertura do que tem sido apresentado como maior
mineroduto do mundo. Ao todo, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),
185 trabalhadores foram submetidos a condições análogas às de escravos, sendo
que 67 prestavam serviços para a multinacional Anglo American e os demais para
outras três empresas. Participaram da inspeção que resultou no
flagrante a Polícia Federal, Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério
Público do Trabalho (MPT). É o segundo caso de escravidão envolvendo a Anglo
American, que em novembro de 2013 foi considerada responsável pela escravidão
de 172 trabalhadores, incluindo 100 haitianos. Em nota, a empresa afirmou que
“repudia qualquer acusação de trabalho escravo”, assim como fez no flagrante
anterior.
Os 67 trabalhadores
escravizados pelos quais a Anglo American foi responsabilizada tinham contrato
de trabalho formalizado com a Tetra Tech, intermediária contratada pela
multinacional. A terceirização foi considerada ilegal após a fiscalização
verificar que era a Anglo American que coordenava e dirigia as atividades dos
funcionários da Tetra Tech e que as duas empresas tinham a mesma atividade-
fim, que é a extração de minério de ferro. “É como se a Tetra Tech fosse uma
sombra da Anglo American”, definiu Marcelo Campos, auditor fiscal e coordenador
do Projeto de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo da Superintendência do
Trabalho e Emprego de Minas Gerais. A relação levou os 67 a serem enquadrados como
empregados da Anglo American pelo MTE. A decisão se baseou na súmula número 331
do Tribunal Superior do Trabalho, que prevê que no caso de contratação ilegal
de empresa interposta a responsabilidade jurídica é da empresa contratante.
A escravidão foi
caracterizada em função de uma série de violações, incluindo a submissão dos
operários, motoristas e técnicos que trabalhavam na obra a jornadas exaustivas
sistemáticas. De acordo com a fiscalização, os funcionários eram forçados a
trabalhar sem parar por períodos muito além dos limites previstos na legislação
brasileira.Os auditores afirmam que alguns dos motoristas chegaram a trabalhar
18 horas por dia. Há casos de trabalhadores que tiveram registrada a realização
de 200 horas extras em um só mês. Além das horas extras, o horário de almoço
também não era respeitado: em vez de uma hora, as vítimas tinham direito a
somente 20 minutos de pausa para comer.
A situação é grave
considerando que a maior parte das vítimas trabalhava como motorista no
deslocamento contínuo de empregados entre Conceição do Mato Dentro (MG), cidade
onde estão alojados, e o canteiro de obras, a cerca de 30 quilômetros. A
legislação brasileira prevê que, além das 44 horas semanais de trabalho,
divididas em 8 horas diárias, são permitidas somente 2 horas extras excedentes.
Em julho de 2013, a
Anglo American chegou a solicitar ao MTE a flexibilização da jornada de
trabalho de seus empregados e os de suas terceirizadas, pedindo a permissão para
que pudesse manter trabalhadores em jornadas de 58 horas semanais por cinco
meses. O pedido foi negado pelo órgão, que respondeu que os motivos
apresentados pela companhia, de cunho econômico, não tinham sustentação legal.
Na nota em que nega
o uso de escravos em sua obra, a Anglo American alega que “um grupo muito
pequeno tem uma jornada de trabalho que, segundo os fiscais, ultrapassa o
limite diário permitido por lei”. Com a negativa do MTE em flexibilizar a
jornada de trabalho, a mineradora disse ter firmado “acordo com o sindicato,
autorizando a flexibilização da jornada, com o aval do Ministério do Trabalho”.
A fiscalização do MTE, no entanto, nega que tenha havido aval do órgão: “Pelas
datas dos documentos, entendemos que esses acordos coletivos foram fraudados”,
declarou o auditor Marcelo Campos, responsável pela ação.
Procurada pela
reportagem, a Tetra Tech não se posicionou.
Sorteio de carros
para compensar
Das 185 vítimas, 46
trabalhavam para a Milplan e 53 para a Enesa, que faziam construção pesada nas
minas. Marcelo declarou que as duas empresas desenvolveram um sistema de
sorteio de prêmios que incentivava a adesão de quem aderisse às jornadas
exaustivas. “As premiações iam desde caixas de bombom até carros”, disse.
Em nota, a Milplan
disse que “nunca houve qualquer coação para a realização de horas extras, que
estas sempre foram realizadas voluntariamente e em obediência às normas que
regem as relações de trabalho”. Já a Enesa não enviou posicionamento até a
publicação desta matéria.
Outras 19 vítimas
eram da Construtora Modelo, que levanta casas para os futuros funcionários da
extração de minério de ferro, quando as obras estiverem prontas. A empresa nega
ter submetido seus trabalhadores a condições análogas às de escravos e informou
que “os empregados ouvidos são enfáticos ao afirmar que praticam horas extras
para obter um acréscimo salarial”.
Além das
irregularidades quanto à jornada e à terceirização, nenhuma das empresas
flagradas pagavam pelo tempo despendido pelos empregados até o local de
trabalho, um direito garantido em lei quando a área não é servida por
transporte público.
A reportagem entrou
em contato com as procuradoras Águeda Aparecida Silva Souto, do MPF, e Elaine
Nassif, do MPT, que acompanharam a fiscalização. Ambas, no entanto, preferiram
aguardar a conclusão do relatório de fiscalização do MTE antes de se
posicionarem publicamente sobre o caso. O documento, com depoimentos dos
empregados, imagens das condições encontradas e informações detalhadas sobre as
jornadas, pode embasar ações judiciais contra as empresa nas esferas
trabalhista e penal da Justiça. (Repórter Brasil)
Foto: Divulgação
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