Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
1. Um ato eleitoral
é sempre um momento em que se avalia, em maior ou menor grau, o Governo e a
oposição. O que irá acontecer no próximo domingo não será exceção.
É bem verdade que
nunca foi tão importante discutir a Europa. Porém, vamos sair desta campanha
sem discutirmos o euro e a sua necessária reformulação, os mecanismos de
solidariedade europeia, o suicida pacto orçamental que bloqueará ainda mais a
Europa, o papel do BCE, o brutal défice democrático europeu, o crescimento dos
movimentos antieuropeístas e antidemocracia. Estes e outros assuntos que
definirão se o projeto europeu continuará ou, mantendo-se tudo como está,
definhará ainda mais e, inevitavelmente, morrerá.
A ausência de
debate sobre estes temas não é um fenómeno local, longe disso, é algo comum a
todos os Estados da União. Mas do que não pode haver dúvidas é que somos,
provavelmente, nós os que mais sofremos com as opções políticas europeias. São
na essência essas políticas que estão a destruir o nosso país.
Pode-se compreender
que nem a coligação PSD/CDS nem o PS estejam muito interessados em discutir
temas europeus. Rangel não pode falar da política europeia porque seria atacar
o plano de governo, que é mais papista do que o papa. Por outro lado, se
falasse das suas convicções - em vez de perder tempo com difamações idiotas e
histerias incompreensíveis -, mostraria que está nos antípodas do pensamento do
líder do seu partido sobre a Europa e das políticas que esta prosseguiu. Rangel
é, por exemplo, um federalista confesso, Passos Coelho um feroz
antifederalista.
Francisco Assis não
pode atacar as convicções sobre a Europa de Rangel porque são também as suas, e
não pode falar das propostas do PS porque este nada de diferente em termos
substanciais tem para apresentar, bem como a sua família política europeia,
diga-se. A realidade é que os dois partidos (o CDS não conta, como Passos
Coelho, esta semana, explicou) têm exatamente a mesma posição sobre os temas
europeus.
Podíamos, ao menos,
ter uma campanha sobre temas nacionais. Talvez, quem sabe, sobre que papel se
quer para o Estado, se o modelo económico que está a ser implementado faz
sentido para Portugal, que fazer para melhorar a nossa produtividade e
competitividade, que tipo de fiscalidade. Enfim, temas que Rangel e Assis
poderiam debater com alguma seriedade e dignidade.
Mas não. Assis fala
de austeridade sem que consiga minimamente explicar o que faria de diferente,
solta uns slogans gastos sobre o Estado social, assobia para o ar quando se
fala do pacto orçamental, a dívida é um tabu e a economia cresceria porque sim.
Rangel vai
gritando. É quase constrangedor ver que a única coisa que tem para dizer é que
os culpados de todos os nossos males foram os despesistas socialistas que nos
levaram à bancarrota, ai o Sócrates, e que este Governo é genial porque
"correu" com a troika.
Eis a profundidade
de debate que os principais partidos portugueses têm para nos apresentar.
Em face desta
indigência discursiva - que chega a fazer pensar que ainda bem que esta
campanha está a ser clandestina, já que se mais pessoas ouvissem os que os
candidatos dizem, mais a narrativa contra a política e os políticos cresceria
-, não admira que estejamos prestes a assistir a um crescimento significativo
do número de votos em partidos fora do sistema e a uma impressionante
abstenção. Podemos, aliás, ter um resultado que poderá levantar questões muito
sérias: estas eleições passarem a ser, no fundo, não só um escrutínio ao
Governo - já que sobre a Europa não será -, mas também ao sistema político/partidário
existente e à sua própria sustentabilidade.
Claro que, depois,
se pode fazer como a avestruz, e mais uma vez esconder a cabeça na areia e
fingir que nada se passa, mas a realidade começa a ser demasiado estridente.
Estas eleições vão dar um sinal, aqui e na Europa, que é preciso repensar tudo
o que se tem feito nos últimos anos, e que não são apenas as terríveis
consequências económicas e sociais com que nos vamos ter de debater: o sistema
político está a descambar. É preciso acordar antes que seja tarde.
2. Três anos
depois, temos um país de que fugiram mais de 250 mil pessoas, com níveis de
desemprego potencialmente desagregadores da comunidade, com centenas de
milhares de pessoas sem subsídio de desemprego e que jamais arranjarão um
trabalho, com um sistema produtivo em que a única coisa que mudou foi as
pessoas serem ainda mais miseravelmente pagas, com os serviços do Estado em
risco de colapso, sem o Estado reformado, sendo o empobrecimento generalizado
considerado uma reforma estrutural, com níveis de investimento que farão a
nossa economia regredir décadas, com exportações a depender de uma refinaria
entrar em manutenção e com uma dívida muitíssimo mais insustentável. O Governo
comemora o quê, afinal?
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