sexta-feira, 30 de maio de 2014

VASOS COMUNICANTES



Martinho Júnior, Luanda

1 – Quer aqueles que perfilham o capitalismo neo liberal, hegemónico e unipolar, quer aqueles que assumem o capitalismo que persegue a via da emergência multipolar, estão a procurar reforçar as suas próprias articulações e as suas próprias linhas-de-força e de conduta, reagrupando os recursos económicos e financeiros, assim como reorganizando as infra estruturas e estruturas afectas, de modo a intensificar a energia das suas respostas.

Os fulcros de poder estão a reformular por isso filosofias, ideologias e conceitos, sobretudo os conceitos geo-estratégicos, uma vez os embates a curto prazo se aproximarão dos níveis típicos daqueles que ocorreram ao longo da chamada “Guerra Fria”.

Este é o momento de transição que foi impulsionado com o despoletar da crise na Ucrânia pelo que as questões energéticas se situam no eixo de qualquer uma das iniciativas, com as vantagens do momento a recair em favor da Rússia e do que ela está já agilmente a realizar.

A Rússia foi prática e sagaz na reacção aos acontecimentos na Ucrânia e está a tirar partido do facto de ser o único estado que distende seu espaço nacional em dois continentes, neste caso o único estado euro-asiático!

Os acontecimentos na Ucrânia não prenderam, nem toldaram psicologicamente os governantes da Rússia, muito pelo contrário: eles desencadearam de forma clarividente uma ofensiva geo-estratégica de grande amplitude, acima desse tabuleiro para o qual foi deliberadamente empurrada, uma ofensiva que joga com uma lógica surpreendentemente consistente e que está em pleno, correspondendo à dimensão do seu espaço físico-geográfico e dos problemas que tem de enfrentar, grande parte deles com implicações globais!

O império da hegemonia unipolar queria que a Rússia se comportasse como uma potência regional submissa, mas a Rússia ao recusar-se a tal com argumentação consistente e sem prévio aviso, está a surpreender por outro lado por causa da fasquia a que colocou o nível da sua resposta em todos os sectores, demonstrando que a articulação dos BRICS é já muito mais que um potencial!
  
2 – Com as conexões em direcção à União Europeia em expectativa, sob observação intensiva e prevendo o afrouxar dos nexos, a Rússia deu vários passos geo-estratégicos importantes com vista à afirmação global por via euro-asiática, defendendo ao mesmo tempo todos os seus flancos, de forma a estabelecer no seu entorno uma flexível armadura:

As tentativas para gerar contradições internas e criar divisões em relação à imensa Federação Russa, terão agora mais obstáculos e dificuldades que vencer e só por via do terrorismo, uma ameaça que vai crescer em relação à Rússia, se poderão manifestar!

Entre os passos dados destaco estas condutas que são efectivamente linhas-de-força:

- Incrementou a interconexão económica, financeira, militar e geo-estratégica com a China, de forma a articular outras iniciativas, em outras direcções, a partir dessa interconexão;

- Criou a União Económica Euroasiática que conta com o Cazaquistão no seu flanco sul e a Bielorrússia no seu flanco oeste, como seus membros fundadores, garantindo desde já o estatuto de observadores, no seu flanco sul, à Arménia e ao Quirguistão, autênticos elementos de pressão avançados, destinados a explorar a tendência de progressão do sistema a médio-longos prazos;

- Implementa as acções de permanência e intervenção no Árctico, no flanco norte, de forma a, entre as várias opções, tornar viável a exploração da rota entre o Pacífico Norte e o Atlântico Norte, atraindo parceiros e associados como a China e a Índia, os outros dois componentes euroasiáticos dos BRICS;

- Reforça os sistemas de exploração e transporte de petróleo e de gás, assim como outras formas de articulação e de conexão em relação a outros produtos, reunindo investimentos sérios na implantação dos nós infra estruturais, estruturais e organizativos internos, tornando-os de forma consistente em importantes polos de desenvolvimento em seu próprio território e em territórios e mares vizinhos;

- Cria mais suportes de apoio em relação às alianças tácitas dentro da conturbada região da Ásia do Sudoeste (Médio Oriente), de modo também a melhor se posicionar no Cáspio, no Cáucaso e no Mar Negro.

Estes passos revelam como a Rússia fez rapidamente o diagnóstico da situação em relação à crise ucraniana e seu significado, conferindo outra dimensão às respostas face às ameaças e aos riscos: não numa amplitude regional, mas numa amplitude global que permite também a catapulta de iniciativas e acções em direcção a outros países e continentes, entre os quais a Ucrânia e a União Europeia. 

*Mapa da União Económica Euroasiática

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