quarta-feira, 18 de junho de 2014

Portugal: Rumo à união nacional neoliberal



Alfredo Barroso – jornal i, opinião

Ao invés do que alguns ingenuamente supõem, o neoliberalismo não pretende suprimir o Estado. Pretende, isso sim, reconfigurar e reorientar as suas acções

Ao ouvir, no dia 10 de Junho, o lamentável ultimato lançado por Cavaco Silva aos partidos do arco da governação, intimando-os a realizar um pacto de união nacional, não pude deixar de pensar na enorme desconfiança que os teóricos do neoliberalismo alimentam, desde sempre, em relação à democracia. 

Pouco lhes importa o aumento contínuo das desigualdades, em consequência do seu projecto de redistribuição das riquezas baseado na acumulação por desapossamento, espoliação e esbulho das classes populares e boa parte das classes médias, reencaminhando essas riquezas da base para o topo da hierarquia social. 

Para o conseguir, instauram e impõem a financeirização da economia, a extensão da concorrência a praticamente todos os domínios da vida em sociedade - através da desregulação, das privatizações, do desmantelamento do Estado social, dos cortes brutais nos salários, pensões e prestações sociais de todo o tipo, e das políticas fiscais dos Estados que a plutocracia passou a controlar. 

Ao invés do que alguns ingenuamente supõem, o neoliberalismo não pretende suprimir o Estado. Pretende, isso sim, reconfigurar e reorientar as suas acções, tornando-o um instrumento privilegiado da defesa e da dominação do capital, intervindo continuamente para criar um ambiente institucional e um clima favoráveis ao lucro. 

Aos neoliberais não interessa o enriquecimento da colectividade, interessa apenas o enriquecimento de alguns. O neoliberalismo não é uma doutrina do bem comum, serve apenas os interesses de uma classe que hoje é dominante, e cujos privilégios foram restaurados a partir da contra-revolução iniciada na década de 1980. 

Como explica com clareza o geógrafo e antropólogo David Harvey, no seu livro "A Brief History of Neoliberalism" (Oxford University Press, 2005): "Menos que uma filosofia política (o pensamento porventura utópico de Hayek e dos seus discípulos), a neoliberalização deve ser analisada como a realização pragmática de um projecto político que visa restaurar o poder das elites económicas. Elites essas que viveram os anos 70 com angústia face à expansão dos movimentos sociais, e sobretudo face ao decréscimo dos rendimentos do capital." 

Os políticos e tecnocratas defensores da via neoliberal ocupam hoje posições que lhes permitem exercer uma influência considerável, tanto nas universidades e grupos de reflexão, como nos órgãos de comunicação social, nos conselhos de administração das empresas e das instituições financeiras. E quer em órgãos de Estado cruciais, como os ministérios das Finanças e os bancos centrais, quer em instituições internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, incumbidas de regular a finança e o comércio à escala mundial. E também, quer na Comissão Europeia quer no Banco Central Europeu, aliados fidelíssimos do Fundo Monetário Internacional. 

Perante este breve quadro explicativo da realidade actual, não será difícil perceber que Portugal é, sobretudo desde há três anos, um exemplo flagrante de aplicação, incontida e incontinente, das políticas neoliberais que empobrecem o país e milhões de cidadãos, e que apenas enriquecem algumas centenas de plutocratas. 

Valha-nos a incontinência verbal de alguns políticos, como o Presidente da República, Cavaco Silva, e uma vice- -presidente do PPD, Teresa Leal Coelho, que dizem ingenuamente em voz alta aquilo que os verdadeiros corifeus do poder político, visivelmente incomodados, não se atrevem sequer a dizer em voz baixa... 

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