Alfredo
Barroso – jornal i, opinião
Ao
invés do que alguns ingenuamente supõem, o neoliberalismo não pretende suprimir
o Estado. Pretende, isso sim, reconfigurar e reorientar as suas acções
Ao
ouvir, no dia 10 de Junho, o lamentável ultimato lançado por Cavaco Silva aos
partidos do arco da governação, intimando-os a realizar um pacto de união
nacional, não pude deixar de pensar na enorme desconfiança que os teóricos do
neoliberalismo alimentam, desde sempre, em relação à democracia.
Pouco
lhes importa o aumento contínuo das desigualdades, em consequência do seu
projecto de redistribuição das riquezas baseado na acumulação por
desapossamento, espoliação e esbulho das classes populares e boa parte das
classes médias, reencaminhando essas riquezas da base para o topo da hierarquia
social.
Para
o conseguir, instauram e impõem a financeirização da economia, a extensão da
concorrência a praticamente todos os domínios da vida em sociedade - através da
desregulação, das privatizações, do desmantelamento do Estado social, dos
cortes brutais nos salários, pensões e prestações sociais de todo o tipo, e das
políticas fiscais dos Estados que a plutocracia passou a controlar.
Ao
invés do que alguns ingenuamente supõem, o neoliberalismo não pretende suprimir
o Estado. Pretende, isso sim, reconfigurar e reorientar as suas acções,
tornando-o um instrumento privilegiado da defesa e da dominação do capital,
intervindo continuamente para criar um ambiente institucional e um clima
favoráveis ao lucro.
Aos
neoliberais não interessa o enriquecimento da colectividade, interessa apenas o
enriquecimento de alguns. O neoliberalismo não é uma doutrina do bem comum,
serve apenas os interesses de uma classe que hoje é dominante, e cujos
privilégios foram restaurados a partir da contra-revolução iniciada na década
de 1980.
Como
explica com clareza o geógrafo e antropólogo David Harvey, no seu livro "A
Brief History of Neoliberalism" (Oxford University Press, 2005):
"Menos que uma filosofia política (o pensamento porventura utópico de
Hayek e dos seus discípulos), a neoliberalização deve ser analisada como a
realização pragmática de um projecto político que visa restaurar o poder das
elites económicas. Elites essas que viveram os anos 70 com angústia face à
expansão dos movimentos sociais, e sobretudo face ao decréscimo dos rendimentos
do capital."
Os
políticos e tecnocratas defensores da via neoliberal ocupam hoje posições que lhes
permitem exercer uma influência considerável, tanto nas universidades e grupos
de reflexão, como nos órgãos de comunicação social, nos conselhos de
administração das empresas e das instituições financeiras. E quer em órgãos de
Estado cruciais, como os ministérios das Finanças e os bancos centrais, quer em
instituições internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, incumbidas de
regular a finança e o comércio à escala mundial. E também, quer na Comissão
Europeia quer no Banco Central Europeu, aliados fidelíssimos do Fundo Monetário
Internacional.
Perante
este breve quadro explicativo da realidade actual, não será difícil perceber
que Portugal é, sobretudo desde há três anos, um exemplo flagrante de
aplicação, incontida e incontinente, das políticas neoliberais que empobrecem o
país e milhões de cidadãos, e que apenas enriquecem algumas centenas de
plutocratas.
Valha-nos
a incontinência verbal de alguns políticos, como o Presidente da República,
Cavaco Silva, e uma vice- -presidente do PPD, Teresa Leal Coelho, que dizem
ingenuamente em voz alta aquilo que os verdadeiros corifeus do poder político,
visivelmente incomodados, não se atrevem sequer a dizer em voz baixa...
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