sábado, 21 de junho de 2014

Portugal: Saiba porque se revoltaram os diretores do Hospital de S. João




O "progressivo esvaziamento de autonomia", "a completa ausência de meios efetivos de gestão" e o quadro geral de "insustentabilidade" ajudam a explicar a demissão em bloco, dos 66 diretores do hospital portuense.

Margarida Cardoso e Isabel Paulo – Expresso

Quando se demitiram em bloco, quarta-feira à tarde, os 58 diretores de serviços clínicos e não clínicos e os responsávels pelas oito unidades intermédias de gestão do Centro Hospitalar de São João, atuaram de forma espontânea, sem concertação prévia. Mas o sentimento de revolta contra "o estado das coisas" já vinha a germinar há longo tempo e, em abril passado, os oito presidentes dos conselhos diretivos das unidades autónomas de gestão daquela unidade de saúde entregaram uma carta ao presidente do conselho de administração, António Ferreira, onde alertavam para o quadro de "insustentabilidade" vivido.

O documento interno, a que o Expresso teve acesso, terá levado António Ferreira a apresentar um pedido de demissão ao Ministro da Saúde há dois meses. As promessas de Paulo Macedo travaram a decisão de Ferreira, mas, dois meses depois, "o quadro mantém-se inalterado, agravado até pelo desgaste do tempo e a pressão de pessoal provocada pelo período de férias", refere, agora, um dos diretores demissionários.

"Os presidentes dos conselhos diretivos de todas as Unidades Autónomas de Gestão, das áreas clínicas, do centro hospitalar de S. João, EPE (CHSJ), têm sido confrontados com uma completa ausência de meios efetivos de gestão, devido a um progressivo esvaziamento da autonomia, conferida legalmente pelos estatutos de uma entidade pública empresarial e que atingiu a insustentabilidade, apesar de todo o empenho do conselho de administração", refere o documento.

Faltam equipamentos vitais

Depois, os médicos justificam o alerta apontando várias frentes, da governação clínica à gestão operacional ou recursos humanos, denunciando "uma progressiva desarticulação inter-hospital e com os cuidados de saúde primários", a "impossível substituição de equipamentos médicos vitais em função do seu normal desgaste" e os "problemas diários" dos sistemas de informação que "afetam de forma profunda a prestação dos profissionais de saúde".

"A gestão de recursos humanos, dos vários grupos profissionais, em resultado de processos longos, burocráticos, erráticos e centralizados, impede decisões racionais e ajustadas à realidade, o que provoca o aumento da despesa, a desmotivação dos profissionais, a deterioração  na prestação de cuidados de saúde", dizem.

A desadequação progressiva dos sucessivos modelos de contratação de médicos à real organização, complexidade e diferenciação dos hospitais e "a carência de informação da tutela: desconhecimento do modo, tempo e objetivos da política de recursos humanos médicos praticada", com "procedimentos alterados sucessivamente", calendários de concursos que não são previamente conhecidos e modalidades de concurso a " variar constantemente" , também são pontos referidos.

Declaração de guerra

Num momento em que se iniciava um novo processo de recrutamento de recursos humanos  e considerando que "nos últimos dois anos não foi possivel colmatar necessidades existentes", apesar dos bons indicadores de eficiência do hospital e da sua situação de equilíbrio financeiro, os diretores sublinhavam, já então, não ter "condições para continuar a exercer as suas funções".

Foi neste quadro, perante a ausência de respostas do Ministério de Saúde a problemas concretos do hospital, que toda a direção decidiu, quinta-feira, demitir-se em bloco "numa declaração de guerra que procura apenas exprimir revolta e exigir condições para tratar os doentes", comenta o presidente de uma das unidades autónomas de gestão, destacando a "união de toda a equipa e a dinâmica de grupo criada".

"Nesta altura, começa a não ser possível garantir aos doentes as condições de prática clínica adequadas, há cirurgias que estão a ser adiadas simplesmente porque não temos operacionais para limpar os blocos operatórios e este quadro promete, obviamente, agravar-se com o período de férias de verão", afirma este responsável, na expectativa do resultado da reunião que junta, esta tarde, António Ferreira, o ministro da Saúde e a ARS Norte.

Contas positivas

Entre os diretores do S. João, há a convicção de que o ministro será um dos principais apoios da administração do hospital dentro do seu ministério, mas "referem outros interesses e alguma oposição à equipa do S. João no seio da própria equipa de Paulo Macedo".

Qunta-feira à tarde, contactado pelo Expresso, o Ministério da Saúde comentou apenas que os pedidos de demissão da direção do hospital "eram uma questão interna" pelo que não iria reagir. "O conselho de administração é que escolhe e nomeia os responsáveis de serviço", disse ao Expresso fonte do gabinete de Paulo Macedo.

Mas como é que um hospital apontado desde há muito como exemplo e modelo a seguir no Serviço Nacional de Saúde, com um saldo positivo no balanço dos últimos cinco anos na ordem dos cinco milhões de euros, entra em rutura? "A explicação mais simples para o Ministério da Saúde será apontar questões políticas", comenta um diretor de serviço ao Expresso.

Na foto: "Há cirurgias que estão a ser adiadas simplesmente porque não temos operacionais para limpar os blocos operatórios e este quadro promete, obviamente, agravar-se com o período de férias de verão", acusa um dos responsáveis clínicos demissionários do Hospital de São João / Rui Duarte Silva

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