sexta-feira, 4 de julho de 2014

NIGÉRIA, UM ESTADO REFÉM DE TERRORISTAS



Benjamim Formigo – Jornal de Angola, opinião

Uma das maiores potências regionais africanas está há meses refém dos extremistas do grupo Boko Haram, cuja acção e métodos o qualificam inequivocamente como um grupo terrorista, apesar de o termo ter sido banalizado por conveniências da propaganda dos Estados dominantes.

Cerca de 200 crianças, todas raparigas (não devem ter direito à educação) raptadas da escola há dez semanas continuam desaparecidas nas mãos deste grupo que recusa designadamente a educação que não seja a sua interpretação do Corão, e pretende um Estado Islâmico no Norte da Nigéria, parte do Níger e dos Camarões, o antigo Califado de Sokoto conquistado pelos ingleses em 1903. Desde então sempre houve resistência na região ao domínio colonial e em especial à educação ocidental, educação que não é vista por este grupo como essencial. Em 2002 o clérigo muçulmano Mohammed Yusuf aproveitou a ausência de escolas para criar um complexo religioso para onde as famílias pobres enviaram os filhos. Progressivamente as ideias do clérigo foram sendo radicalizadas ao mesmo tempo que o Estado esquecia as regiões mais desfavorecidas do país. 

Algumas questões contribuíram e contribuem em paralelo para o agravamento da situação. Por um lado está uma má distribuição da riqueza do país. As receitas petrolíferas não beneficiam o grosso da população, em particular o interior Norte onde o islamismo militante tem surgido e tem progredido mais rapidamente que a resposta governamental às solicitações sociais da população. A instabilidade interna contribuiu para que os fundos sejam desviados para a segurança em detrimento da acção social, saúde e educação, pilares fundamentais ao desenvolvimento. Ao longo dos últimos 30 anos a situação nos países vizinhos tem-se caracterizado também pela instabilidade política interna, guerras civis e confrontos transfronteiriços. Durante algum tempo a própria Nigéria teve de agir quase que como polícia na região até que as divergências tribais mal geridas e os confrontos religiosos internos se agravaram. Não menos importante para o agravamento desta situação é o proliferar de grupos armados e finalmente do terrorismo do Boko Haram foi a “primavera árabe” tão celebrada pelos países ocidentais. A queda de Muhammad Al Kadhafi com a contribuição activa dos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha rebentou os equilíbrios na região. Louco, ditador, o que lhe quisessem chamar, Kadhafi foi odiado pelas petrolíferas, a sua visão megalómana do Mundo Árabe assustava tanto ou mais que o alegado envolvimento dos serviços secretos líbios em acções terroristas ou de desestabilização. Ora, precisamente quando o dirigente líbio entrava em diálogo e em entendimentos com a Europa e os EUA os seus novos “amigos” tiraram-lhe o tapete debaixo dos pés, como de resto fizeram a Mubarak e ao longo dos últimos 200 anos têm feito aos seus aliados quando os interesses financeiros se sobrepõem.

A Líbia de Kadhafi não era parte do mundo capitalista, não era uma democracia, longe disso. Era uma manta tribal administrada a pulso de ferro por Kadhafi que “comprava” esse equilíbrio através da distribuição da riqueza do país e da gestão das rivalidades entre etnias e tribos. A estabilidade que ali se conseguia beneficiava a Nigéria, Níger, Chade, RCA, designadamente. A gestão de Kadhafi era de facto a retaguarda desses países.

A Nigéria com um imenso potencial económico não consegue controlar as tribos e menos ainda o Boko Haram que se movimenta pelas zonas transfronteiriças, beneficiando de um excelente conhecimento do território. Os países ocidentais, como a Grã-Bretanha, que quarta-feira recebia a ministra das Finanças da Nigéria – exemplo do poder de educação da mulher – abstêm-se porém de conceder ao Governo nigeriano o que necessita: apoio aéreo, designadamente helicópteros, informação de satélite sobre as movimentações nas regiões suspeitas, meios de comunicação e transporte suficientemente rápidos para permitir uma acção militar que ponha termo a este rapto de dez semanas. Não se trata de procurar apenas uma solução militar para o problema do Boko Haram, essa terá também de ser política e social, passa pelo desembolso de lucros do petróleo. A Nigéria está refém de um grupo terrorista que depois do sucesso desse rapto lançou uma onda de violência contra civis e se está a espalhar ao Chade, Níger e Camarões. O sucesso do rapto de 200 crianças fechou as escolas na maioria do país. 

O Boko Haram tem de sofrer uma derrota: a libertação dos reféns que lamentavelmente não será conseguida sem baixas entre as próprias vítimas. O apoio à Nigéria não pode esperar nem pode, como alguns sugerem, passar por um corpo privado de segurança para as escolas. Enquanto esta situação se mantiver é um Estado soberano que está refém de um grupo terrorista que se prepara para desestabilizar outros Estados já de si fragilizados.

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