“…
andamos o tempo inteiro a dormir, a deixar que decidam por nós…”
Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
1.
Parcerias público-privadas mal negociadas? Rendas excessivas no setor da
eletricidade? Demasiadas Autoestradas? Toda a corrupção deste e do outro mundo?
Promiscuidade entre o setor público e privado? Leis injustas e à medida?
Bloqueador de qualquer mercado nacional? Responsável pela chegada da troika?
Eis
Ricardo Salgado. O culpado de todos os males que nos minam. O elemento que uma
vez retirado do nosso convívio fará que tudo floresça. Sem ele a nossa economia
tornar-se-á pujante, o Estado será incorruptível e exemplar na gestão do bem
comum, acabarão os compadrios e amiguismos.
Agora
é Ricardo Salgado. Não vale a pena lembrar todos os outros culpados antes dele.
Todos os que, sozinhos, conseguiram arrastar Portugal para um terrível destino.
Sozinhos, omnipotentes e fonte de todos os males. Males vários, aliás.
Recentemente, tivemos José Sócrates como o único culpado da crise; Cavaco
Silva, o criador do monstro estatal; Oliveira Costa, até há pouco o único
banqueiro que não era sério...
Podemos
pensar em várias explicações para este fenómeno coletivo. Será por termos
demasiadas vezes a sensação de que a culpa morre solteira, será por uma
qualquer necessidade de descarregarmos toda a nossa frustração, incompetência
ou impotência num alvo bem definido. Pode ser.
Mas
há algo mais nesta constante busca de um bode expiatório, nesta espécie de
outro lado do espelho sebastianista: um homem nos salvará e um homem será o
responsável por tudo o que foi feito de errado ou está mal. Nunca pensamos como
comunidade. Nunca nos questionamos. Nunca tentamos perceber se, por ação ou
omissão, contribuímos para aquilo que consideramos ser as nossas desgraças,
sejam as de condução política, sejam as que resultam de cataclismos económicos,
sejam as criminais.
São
sempre "eles" e quando temos um nome, de preferência "um
poderoso", fica logo tudo explicado. Andamos o tempo inteiro a dormir, a
deixar que decidam por nós, a recusar participar na vida da comunidade para de
repente descobrirmos que a culpa do nosso sono era apenas de um indivíduo.
Outro. Qualquer.
2.
Ricardo Salgado foi provavelmente um gestor incompetente. Será o culpado de um
terramoto económico em Portugal, será o maior responsável pela possível
falência de muitas empresas e pela perda de muitas poupanças, terá vendido ou
mandado vender gato por lebre. Será o responsável por diversas fraudes e crimes
- contas adulteradas, corrupção, branqueamento de capitais, fugas ao fisco.
Terá sido um dos promotores da promiscuidade entre poderes públicos e privados
que, aliás, existe há séculos em Portugal. Terá construído uma rede de influência
mais baseada em cumplicidades e esquemas mal explicados do que em competência.
Não
serei eu a negar, e já aqui o escrevi, que havia uma maneira de fazer as
coisas, própria dos líderes (Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi não estavam
sozinhos) do Grupo Espírito Santo, que era péssima para a comunidade. Mas uma
coisa são atividades subjetivamente lesivas para a comunidade, outra são
aspetos de incidência criminal.
Nada
fará melhor à comunidade do que um fim, na medida do possível, normal para este
império e para os previsíveis e inevitáveis processos judiciais. Que o
desmoronamento deste império com pés de papel se processe sem histerias e sem
julgamentos populares. Que vão à falência as empresas que não têm capacidade
para honrar os seus compromissos; que possam ser ressarcidos os que foram
prejudicados; que os culpados paguem até ao último tostão; que fiquemos
convictos de que não houve privilégios especiais nem humilhações provocadas por
ressentimentos. E, se se provarem crimes, que os vários responsáveis sejam
condenados. Nada pior se, mais uma vez, se mandar às malvas o princípio da
presunção de inocência e se substituirmos os tribunais por tabloides ou que a
justiça não seja justiça mas sim justiceira.
3.
Quem há meia dúzia de dias competia para cair nas boas graças de Ricardo
Salgado disputa agora o concurso "fui eu quem mais contribuiu para o
derrubar" ou "sou eu que consigo culpá-lo de mais desgraças".
O
espetáculo está montado: temos velhos revolucionários remoçados apostados em
construir as mais diversas teorias da conspiração, temos jornalistas em horário
nobre a promover delírios e cabalas de vão de escada. E, claro, não podiam
faltar as fugas de "informação" do Ministério Público para os jornais
do costume, a divulgação antecipada de diligências processuais e a costumeira
fúria justiceira que parece só acordar quando os chamados poderosos já não o
são. A novidade é ter aparecido políticos a cavalgar este caso para fins de
política partidária interna, como foi o infelicíssimo caso de Eurico Dias do
PS.
Não
sei se sabem ou não, mas, como sabemos de outros casos, serão estes os que mais
contribuirão para uma possível situação em que nunca chegaremos a saber tudo o
que se passou neste gigantesco drama.
*Subtítulo
PG, do texto
Sem comentários:
Enviar um comentário