Dojival
Vieira - Afropress
O
debate da Band – o primeiro dos presidenciáveis – mostra, até para quem não
quer ver. O modelo mantido pelo sistema político-eleitoral e partidário,
instaurado com a Constituição de 1.988, se esgotou e com ele o jogo ficou
igual: nenhum dos três candidatos principais - Dilma, Aécio e Marina – tem
respostas para os problemas estruturais do país, os mesmos que colocam o Brasil
– a sétima economia do planeta – na lista dos 10 mais desiguais do mundo.
Não
foi o acidente trágico que matou Campos e abriu espaço à candidatura de sua
vice, Marina Silva, agora em segundo lugar e com chances reais de ser a próxima
presidente da República, que explicam esse quadro.
Ao
contrário, o novo que surge com Marina, nada mais é do que o requentar da
esperança – a palavrinha mágica que embalou corações e foi o pano de fundo da
eleição do primeiro operário a chegar ao Palácio do Planalto, em 2002.
Como
se veria depois, Lula e o lulismo envelheceram precocemente e se tornaram
parecidíssimos, quase iguais, aos Governos do PSDB que o antecederam: as
políticas sociais (Bolsa Escola, depois Bolsa Família, por exemplo) foram
ampliadas, mas a política econômica é exatamente a mesma.
E
piorada, como provam os indicadores macro-econômicos. Nem reduz a desigualdade,
nem amplia o mercado de trabalho e ainda engorda a conta já gordíssima dos
bancos. Nunca antes neste país, os bancos privados brasileiros lucraram tanto:
o Banco Itaú/Unibanco teve lucro de R$ 9 bilhões e trezentos e dezoito milhões
no primeiro semestre deste ano. O Bradesco já havia anunciado o maior lucro
líquido contábil de sua história - R$ 3,778 bilhões no segundo trimestre; e o
Santander teve lucro superior a R$ 1 bilhão no primeiro semestre.
Não
por acaso, ao aproveitar o debate para anunciar Ermínio Fraga como seu nome
para a Fazenda, o candidato tucano Aécio Neves repete o que Lula fez em 2002,
quando para se eleger teve que assumir compromissos com os banqueiros com a
“Carta ao Povo Brasileiro” e, para governar, escolheu Henrique Meirelles, do
Bank Boston, à época eleito deputado federal pelo PSDB goiano, para ser uma
espécie de fiador e tranquilizar o mercado.
O
objetivo do tucano no debate da Band foi exatamente o mesmo: tranquilizar o
mercado que anda alvoroçado com a ameaça de inflação fora de controle e baixo
crescimento – o "pibinho" do Governo Dilma.
A
constatação do esgotamento do modelo não isenta a esquerda e os seus minúsculos
partidos, que se mantém à custa das utopias que animaram o mundo no século XX,
mas que são incapazes de relê-las – para atualizá-las – no mundo
contemporâneo. Observando os discursos que fazem os candidatos no horário eleitoral
gratuito, fica-se em dúvida: rir ou chorar?
Não
à toa, o candidato mais consistente no debate da Band foi um ex-dirigente do
PT, o verde Eduardo Jorge, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR), expulso como Luciana Genro, Luiza Erundina, Heloísa
Helena, do Partido dos Trabalhadores, e todos os que se opuseram, de algum
modo, à guinada conservadora dos que trocaram um projeto de país por um projeto
de poder. Para si próprios, acrescente-se.
Verde,
com idéias maduras, mas também fora de lugar – sem chances e sem votos -
Eduardo Jorge parece estar fadado nestas eleições a ser uma espécie de Plínio
de Arruda Sampaio, morto este ano, que mantinha sua coerência dizendo verdades
inconvenientes aos candidatos do “mainstream”.
Há
algumas constatações óbvias, até para quem não quer ver.
1
– os Governos inaugurados com FHC em 1.995, e depois continuados com os dois
mandatos de Lula e agora Dilma, esgotaram o modelo político, instaurado pela
transição negociada com a ditadura e que não garantiu nem sua ruptura nem seu
sepultamento.
Estão
aí os mortos e desaparecidos procurados pelas Comissões da Verdade, a bater a
nossa porta e o comandante do Exército Enzo Peri, sabotando o trabalho ao
proibir os quartéis de colaborar com as investigações sobre as violências
contra presos políticos em suas dependências durante o regime militar, conforme
noticiado na semana passada pela imprensa.
Está
aí o pífio crescimento econômico, a incapacidade de enfrentar os problemas
estruturais geradores da desigualdade crônica que se sustenta nos dois pilares:
a herança maldita dos quase 400 anos de escravidão que exclui pobres e negros,
estes a maioria daqueles; e o modelo patriarcal que mantém as mulheres, a
maioria, sob a exploração e a opressão do machismo.
Estão
aí, como evidência, a incapacidade dos governos que se instauraram após a
transição conservadora conduzida por Sarney (o sempiterno Sarney), de dar fim
ao antigo regime e instaurar outro, com novos práticas, novos tempos, novos
métodos, novas políticas. Fica evidente a opção das elites conservadoras, feita
lá atrás (a que o PT no princípio resistiu, recusando-se a ir ao Colégio
Eleitoral que elegeu Tancredo e Sarney, mas depois cedeu, entregando-se ao
velho jogo) de negociar por cima, mantendo intactos os instrumentos da ditadura
(o entulho autoritário de que falava Ulisses Guimarães) e inalteradas a base de
uma democracia, expressão dos interesses do mercado e do capital, e que exclui
pobres e negros.
2
- Esse modelo de democracia representativa só tem espaço para incluir pobres e
negros nos crediários das Casas Bahia. Não no universo de direitos – Saúde,
Trabalho, Moradia digna, Educação de qualidade e participação política que não
se reduza a obrigação de votar a cada dois anos.
3
- Marina Silva, que tem uma história emblemática do Brasil profundo, tanto
quanto Lula, ao anunciar que pretende governar com as melhores cabeças do PT e
do PSDB, nada mais faz do que tentar reciclar o modelo esgotado. A tentativa
dos que tentam desqualificá-la numa pancadaria pesada, além de injusta é
covarde, e faz parte do jogo baixo da política abaixo da linha de cintura.
Como
mulher e negra poderia ser a síntese necessária. Poderia, por exemplo, dizer
com todas as letras, que o Brasil precisa completar a Abolição não concluída há
126 anos e que mantém as maiorias as margens. De tudo. Mas, embora fale em
pensamento estratégico, isso ela não faz. E não faz, porque pretende ser apenas
o que o mercado (essa entidade onipresente e onisciente, as 5 mil
famílias que tem tudo e mandam em tudo, os que ganham com os juros mais altos
do mundo) quer. Ou deixa...
Não
por um acaso, ela também silencia sobre as questões estruturais e sobre as
reformas que há séculos vem sendo adiadas.
4
- Esse modelo de democracia representativa entrou em crise, e não apenas no
Brasil, mas em escala planetária. Por isso, a sensação que dá vendo o debate é
que todos os candidatos, orientados pela marquetagem que substitutiu a
política, paga a peso de ouro, falam a mesma coisa, ainda que com diferentes palavras
e modos. E a sensação é de cansaço, infinito cansaço. Sensação de “esse filme,
já vimos”.
5
- Não há ninguém entre eles – nem os partidos da micro-esquerda – que proponha
o básico: o sistema todo precisa passar por reformas profundas, as reformas de
base usadas como pretexto pelos militares para dar o golpe em 1.964 – reformas
nos modelos sindical, tributário, prisional; reformas no modelo político
(nenhuma democracia, mesmo representativa, sobrevive a 30 partidos); reformas
no modelo sindical esclerosado, herança do Estado novo getulista, mantido pelos
governos lulistas; reforma da legislação penal de 1.941; reformas, reformas.
Foi isso o que quiseram dizer os milhões que tomaram às ruas nas multitudinárias
manifestações que abalaram o país em junho de 2013.
Reformas
que juntas possibilitariam a revolução necessária e possível, ainda que as
nossas utopias apontem para mais além. E isso requer coragem, decisão,
contrariar interesses poderosos, mudanças profundas, enfim. Mas, nisso -
parecem nos dizer os candidatos no debate, entre um intervalo e outro - é
melhor nem tocar.
Na foto: Dojival Vieira. É
advogado, jornalista e editor responsável pela Afropress
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