Ana
Suspiro – jornal i
O
administrador do Crédit Agricole e do BES, Xavier Musca, vendeu 35,8 milhões de
acções no final de Maio, mas só comunicou em Julho
Um
dos representantes do Crédit Agricole na administração do Banco Espírito Santo
(BES) vendeu 35,8 milhões de acções, dois meses antes do colapso do banco
português. Xavier Musca, administrador do banco francês, encaixou 32,6 milhões
de euros nestas operações, de acordo com os números do comunicado enviado à
Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
Estas
alienações foram realizadas entre 21 e 26 de Maio, antes da concretização do
último aumento de capital do BES mas só foram comunicadas como imputáveis ao
gestor francês a 15 de Julho.
Xavier
Musca era administrador não executivo do BES desde Novembro de 2012, ano em que
ingressou no Crédit Agricole com o pelouro da área internacional de retalho e
banca comercial, gestão de activos e seguros.
Mas
no seu curriculum profissional destacam-se os cargos que desempenhou
no gabinete do ex-presidente francês, Nikolas Sarkozy. Musca foi director para
assuntos económicos do Eliseu e em 2011, tornou-se secretário-geral do gabinete
do Presidente Francês (ver perfil). Até ao comunicado de 15 de Julho, o gestor
francês não tinha divulgado a compra ou venda de quaisquer acções do Banco
Espírito Santo. Aliás, no último relatório do governo da sociedade do BES
relativo ao exercício de 2013, Musca não consta da lista de administradores que
detinham investimentos em acções ou dívida do banco.
COMUNICAÇÃO
FALHA PRAZO LEGAL
A aparente omissão vai contra o dever de comunicação dos
gestores e dirigentes das sociedades cotadas que, segundo o Código de Valores
Mobiliários, devem comunicar todas as transacções, compra ou venda, de acções
emitidas pela sociedade em causa e cujo valor supere os cinco mil euros desde a
última operação reportada. O prazo legal para esta comunicação são cinco dias
úteis, mas neste caso passaram quase dois meses entre as transacções e a sua
correcta divulgação. O código considera que os dirigentes devem divulgar estas
operações porque têm acesso a informação privilegiada e participam nas decisões
de gestão e estratégia.
Para
além de ser administrador do BES, Musca é também administrador de um dos
maiores accionistas do banco português, o Crédit Agricole, e da Bespar,
sociedade conjunta que controlava a maior fatia de capital do BES. O
incumprimento destes deveres de informação constitui uma contra-ordenação e
poderá dar origem a um processo.
Contactada
pelo i, a CMVM não confirma que o caso esteja a ser investigado, mas
remete para o comunicado emitido a 4 de Agosto em que o regulador diz estar a
analisar o cumprimento de todos os deveres de informação a que estão sujeitas
as sociedade emitentes e os seus responsáveis.
QUATRO
OPERAÇÕES, 0,9% DO CAPITAL
Na primeira alienação, as 13 milhões de acções
foram vendidas a um preço médio de 0,993 euros por título. Esta operação, que
envolveu 0,33% do capital do BES e rendeu quase 13 milhões de euros, foi
comunicada a 26 de Maio, mas foi atribuída ao Crédit Agricole. Em Julho, a
mesma operação é imputada ao gestor francês. Foram comunicadas mais três
operações de venda de acções do BES: a 22 de Maio foram vendidas 6,5 milhões de
acções ao preço médio de 0,8779 euros, o que resultou numa receita de 5,7
milhões de euros; a 23 de Maio foram alienadas cerca de 15 milhões de títulos
ao preço de 0,8536 euros, rendendo 12,8 milhões de euros e a 26 de Maio foram
transaccionados 1,280 milhões de títulos ao preço de 0,87 euros, com encaixe de
1,1 milhões de euros. Mais de metade dos títulos, que representaram cerca de
0,9% do capital do banco, foram alienados fora de mercado. Desde essa data,
Xavier Musca não terá mais acções do BES.
Estas
operações seguem-se ao desfazer da parceria empresarial entre a família
Espírito Santo e o Crédit Agricole, através da dissolução da Bespar, sociedade
que controlava mais de 35% do capital do BES. O banco francês não foi ao
aumento de capital e reduziu a sua participação para 14,6%. Ainda assim é o
segundo maior accionista do BES, que agora está reduzido aos activos de pior
qualidade.
Na
apresentação dos resultados semestrais, esta posição representou um prejuízo de
708 milhões de euros para o Crédit Agricole. O presidente executivo do banco
garantiu desconhecer as más práticas no BES. Jean-Paul Chifflet confessou-se
"enganado".
Xavier
Musca - Perfil
Licenciado
em ciência política, Xavier Musca foi director-geral do Tesouro e da política
económica francesa em 2007. Em 2009 foi nomeado director executivo dos assuntos
económicos do gabinete do então presidente francês. Em 2011, Musca,
especialista no sector financeiro, torna-se no “braço direito” de Nikolas
Sarkozy ao assumir o cargo de secretário-geral do gabinete do presidente
francês. Com a chegada de Hollande ao Eliseu em 2012, Musca é contratado pelo
Crédit Agricole onde assume a área internacional de retalho e banca comercial,
gestão de activos e seguros. No Verão de 2012, o seu nome surge envolvido em
suspeitas de tráfico de influências. Segundo a queixa de um empresário, Musca
terá recomendado à ex-ministra das Finanças, Christine Lagarde, a atribuição de
legião de honra francesa a um perito independente que viria a decidir um
litígio comercial com uma empresa privada a favor do Estado francês. Em
Novembro de 2012, entra na administração do BES com um cargo não executivo.
Na
foto: Sarkozy, Lagarde e Xavier Musca - Philippe Wojazer / Reuters
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