RUI TAVARES – Público, opinião
Portugal
assistiu ontem a um evento raro. O Banco de Portugal tentou convencer o país, —
e o mundo financeiro —, da suficiência de um programa de resolução para o Banco
Espírito Santo. Uso a expressão “tentar convencer” sem segundas intenções:
sendo a confiança o elemento essencial na relação entre os clientes e o sistema
bancário, o trabalho de um banqueiro central é sempre um trabalho de persuasão.
Como
tal, só o tempo poderá dizer se o esforço de persuasão de hoje funcionou ou
não. Se nos próximos dias os depositantes do antigo Banco Espírito Santo, agora
crismado de Novo Banco, não forem alarmados por novos esqueletos no armário,
pode ser que o banco central consiga superar a primeira prova deste exercício
de alto risco. O resto é bem mais complicado e compete ao governo; cá estaremos
para ver se poderá cumprir-se a promessa de o caso BES não contaminar a dívida
pública e não prejudicar os contribuintes portugueses. A divisão do BES entre
“banco mau” e “banco bom”, com todas as complexidades e incertezas que ela
oculta, torna tudo isto muito duvidoso.
O
governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, foi forçado a admitir que a
gestão do Banco Espírito Santo foi muito pouco católica: nos últimos tempos, e
provavelmente bem antes disso, a administração do banco, e do grupo familiar em
que ele se inseria, incorreram numa série de fraudes e ocultações. Depreende-se
claramente do que disse Carlos Costa que haverá responsabilidades criminais a
apurar.
Apesar
do nome do “banco bom”, Novo Banco, ser uma ingénua tentativa propagandística
para fazer crer às pessoas de que estamos a entrar num tempo de fazer tábua
rasa, as fraudes do Banco Espírito Santo não têm nada de novo.
E
é aí que houve algo de ainda mais extraordinário naquele momento
extraordinário. Carlos Costa confessou a inoperância das entidades reguladores
perante o capitalismo financeiro conforme ele funciona hoje. As fraudes do
Banco Espírito Santo não têm nada de novo: basicamente, dependem da utilização
de jurisdições ocultas, empresas-veículo em paraísos fiscais, e um carrossel de
operações entre todas elas. O sistema continua tão opaco quanto sempre. Nada
mudou. E o governador do banco central confirmou que só quando o banco estoura
é que se consegue levantar a ponta do véu. A podridão do império BES ainda está
por descobrir.
Posto
desta forma, Carlos Costa não disse mais do que dizem todos os grandes críticos
do capitalismo atual. Só o disse de forma menos clara. Os velhos vícios
continuam intactos por debaixo dos “novos bancos”.
Há
maneira de acabar finalmente com isto. Separar bancos de investimento de bancos
tradicionais. Obrigar os bancos europeus a revelarem tudo o que fazem as suas
subsidiárias. Legislar, ao nível da União Europeia, no mesmo sentido dos EUA
com a sua lei FATCA, que obriga todas entidades fiscais, coletivas ou
individuais, a declararem os ativos que detêm fora da sua jurisdição de origem.
E, finalmente, criar uma unidade especial de investigação ao crime financeiro e
económico, sediada no Banco Central Europeu ou na Europol.
Tudo
isto pode ser conseguido, mas não pelos governos que temos hoje.
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