domingo, 24 de agosto de 2014

Portugal: O POLÍCIA-MODELO



Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

Um grupo de pessoas de pele escura é impedido por dois polícias de entrar num centro comercial, enquanto pessoas de pele mais clara entram sem dificuldade. Porquê, pergunta alguém do grupo. Óculos escuros e sem a obrigatória placa de identificação, um dos agentes responde: "Por causa de ser um grupo." "Mas entrou o mesmo número de pessoas ali atrás, só que eram de cor diferente", insiste o perguntador. O agente explica-se melhor: "Você não vai entrar. Por causa dos acontecimentos que houve aqui toda a tarde." "Quais acontecimentos?" "Não tem nada que ver com isso." E, de súbito íntimo, o polícia acrescenta: "Vais à volta e entras lá à frente se quiseres. Não falo mais contigo."

Isto foi gravado em vídeo, não nos EUA, em Ferguson, mas em Lisboa, anteontem, junto ao Centro Vasco da Gama. Filmado por Edson Chipenda - autor das perguntas -, passou ontem nas TV a partir da hora de almoço. Às nove da noite, ainda não havia qualquer esclarecimento da PSP. E muito há para esclarecer. Para começar, a placa com nome faz parte do fardamento das polícias, estabelecendo ainda o estatuto do pessoal da PSP, no artigo 16.º: "Deve exibir prontamente a carteira de identificação profissional sempre que a sua identificação seja solicitada", dever reforçado no regulamento disciplinar, artigo 13.º (dever de correção). O mesmo artigo exige também que o agente adote "linguagem correta", tratando "com respeito e consideração o público" - o que, obviamente, exclui o tratamento por tu.

E vão duas infrações disciplinares. Mas vamos à questão de fundo. Pode um polícia impedir alguém de entrar num local público com base na cor da sua pele? Não, não é preciso puxar da Constituição: o dever de "atuar sem discriminação em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem (...)", inscrito no Estatuto do Pessoal da PSP (lei 299/2009), dá a resposta. Mas aquilo que o agente faz configura mais do que infração disciplinar. É um ilícito contraordenacional, de acordo com a Lei 18/2004: "Consideram-se práticas discriminatórias as ações ou omissões que, em razão da pertença de qualquer pessoa a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, violem o princípio da igualdade", como "a recusa de acesso a locais públicos ou abertos ao público." No caso de pessoa singular, aplica-se coima no valor de um a cinco salários mínimos, e de dois a dez quando é pessoa coletiva. Como a PSP, que o agente representa - tenha agido de acordo com ordens (que deveria saber ilegítimas) ou não.

Não foi morte de homem? Lá isso não. Mas ocorreu em pleno dia, num local público, quando o agente sabia estar a ser filmado. Se age assim nessas circunstâncias, de que será capaz quando não tem testemunhas e/ou crê estar em risco? Que segurança nos dá esta polícia? E que País somos que acha isto normal, quiçá aplaude?

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