Fernanda
Câncio – Diário de Notícias, opinião
Um
grupo de pessoas de pele escura é impedido por dois polícias de entrar num
centro comercial, enquanto pessoas de pele mais clara entram sem dificuldade.
Porquê, pergunta alguém do grupo. Óculos escuros e sem a obrigatória placa de
identificação, um dos agentes responde: "Por causa de ser um grupo."
"Mas entrou o mesmo número de pessoas ali atrás, só que eram de cor
diferente", insiste o perguntador. O agente explica-se melhor: "Você
não vai entrar. Por causa dos acontecimentos que houve aqui toda a tarde."
"Quais acontecimentos?" "Não tem nada que ver com isso." E,
de súbito íntimo, o polícia acrescenta: "Vais à volta e entras lá à frente
se quiseres. Não falo mais contigo."
Isto foi gravado em vídeo, não nos EUA, em Ferguson, mas em
Lisboa, anteontem, junto ao Centro Vasco da Gama. Filmado por Edson Chipenda -
autor das perguntas -, passou ontem nas TV a partir da hora de almoço. Às nove
da noite, ainda não havia qualquer esclarecimento da PSP. E muito há para
esclarecer. Para começar, a placa com nome faz parte do fardamento das
polícias, estabelecendo ainda o estatuto do pessoal da PSP, no artigo 16.º:
"Deve exibir prontamente a carteira de identificação profissional sempre
que a sua identificação seja solicitada", dever reforçado no regulamento
disciplinar, artigo 13.º (dever de correção). O mesmo artigo exige também que o
agente adote "linguagem correta", tratando "com respeito e
consideração o público" - o que, obviamente, exclui o tratamento por tu.
E
vão duas infrações disciplinares. Mas vamos à questão de fundo. Pode um polícia
impedir alguém de entrar num local público com base na cor da sua pele? Não,
não é preciso puxar da Constituição: o dever de "atuar sem discriminação
em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem (...)",
inscrito no Estatuto do Pessoal da PSP (lei 299/2009), dá a resposta. Mas
aquilo que o agente faz configura mais do que infração disciplinar. É um
ilícito contraordenacional, de acordo com a Lei 18/2004: "Consideram-se
práticas discriminatórias as ações ou omissões que, em razão da pertença de
qualquer pessoa a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, violem
o princípio da igualdade", como "a recusa de acesso a locais públicos
ou abertos ao público." No caso de pessoa singular, aplica-se coima no
valor de um a cinco salários mínimos, e de dois a dez quando é pessoa coletiva.
Como a PSP, que o agente representa - tenha agido de acordo com ordens (que
deveria saber ilegítimas) ou não.
Não
foi morte de homem? Lá isso não. Mas ocorreu em pleno dia, num local público,
quando o agente sabia estar a ser filmado. Se age assim nessas circunstâncias,
de que será capaz quando não tem testemunhas e/ou crê estar em risco? Que
segurança nos dá esta polícia? E que País somos que acha isto normal, quiçá
aplaude?
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