PEDRO SOUSA CARVALHO – Público,
opinião
É
fácil cair na demagogia e no populismo quando se fala de políticos que não
cumprem os mandatos para que foram eleitos e de filhos de políticos que são
nomeados para cargos de prestígio, não se sabe muito bem como. Como tal, o
melhor é atermo-nos aos factos.
Comecemos
por Marinho e Pinto, que foi eleito eurodeputado em Maio. Ainda nem teve
tempo de aquecer a cadeira e já veio dizer que, afinal, vai candidatar-se às
eleições legislativas em 2015. E isso "sem prejuízo de, depois, poder
candidatar-me às presidenciais", em 2016. E de, sem prejuízo, imaginamos
nós, naturalmente, ele poder também vir a candidatar-se a presidente do
condomínio, à presidência do clube de jardinagem lá do bairro ou a outra coisa
qualquer.
O
antigo bastonário da Ordem dos Advogados é livre de candidatar-se aos cargos
que bem entender. Mas quando os políticos não cumprem os mandatos para os quais
são eleitos, e têm uma visão instrumental dos cargos que ocupam, estão a
desrespeitar quem os elegeu. Não há outra forma de colocar a questão.
Quem
quer ser eurodeputado, deputado e Presidente da República, tudo ao mesmo tempo,
apenas está à procura de um palco para aparecer e nada mais. O eurodeputado
disse ao Jornal de Notícias que não está em causa defraudar as
expectativas de quem votou nele. "Continuo na luta". "A guerra
tem várias trincheiras". O que se esperava é que Marinho usasse a
trincheira para lutar por aqueles que lá o colocaram e não como trampolim para
a trincheira seguinte.
Enquanto
não há eleições, o advogado continua em Bruxelas e vai recebendo o salário de
17 mil euros por mês que ele próprio classificou de "vergonhoso".
Apesar de criticar o salário que recebe, o advogado nunca prescindiu de o
receber: "Sou pobre, preciso do dinheiro, tenho uma filha no
estrangeiro", diz, em jeito de justificação.
Por
falar em filhos, e fazendo um parêntesis nos políticos que não completam os
mandatos, esta semana, o Jornal de Negócios veio noticiar que o Banco
de Portugal contratou, por convite e não por concurso, como é habitual, o filho
de Durão Barroso, para trabalhar no Departamento de Supervisão Prudencial. É o
próprio banco central que admite que a admissão por convite tem um
"carácter excepcional" e que está "reservada a candidatos de
comprovada e reconhecida competência profissional". A pessoa em causa,
segundo o mesmo jornal, tem 31 anos, dá aulas na Católica desde 2012, sendo
que, fora do mundo académico, fez dois estágios de Verão.
Não
está em causa a competência da pessoa. Ninguém deve ser penalizado só por ser
filho de um político conhecido e com influência. Só que, para evitar qualquer
leitura maldosa, o Banco de Portugal deveria ter aberto um concurso público. Se
o filho de Durão Barroso é tão competente como o convite faz crer que seja, com
certeza que não teria dificuldades em superar os outros candidatos que se
apresentassem a concurso. É um daqueles casos em que não chega ser, é preciso
parecer.
Fechando
o parêntesis e regressando ao caso dos políticos que não completam os mandatos,
o caso de Marinho e Pinto está longe de ser virgem. Aliás, o próprio Durão
Barroso fez escola ao abandonar o cargo de primeiro-ministro para rumar a
Bruxelas para ser presidente da Comissão Europeia.
Esta
semana, o Diário Económico transformou em números a percepção que
vamos tendo que na Assembleia da República há cada vez mais caras desconhecidas
do grande público e cada vez mais gente com menos experiência política. Isto
porque, dos 230 deputados que foram eleitos há três anos, uma parte substancial
já abandonou o Parlamento e foi tratar da vida.
Percebe-se
que do partido que ganha as eleições possam sair alguns deputados que vão para
o Governo. Já se percebe menos que quem perde saia do Parlamento só porque não
conseguiu saltar para o Governo. Percebe-se ainda menos que, entre os 230
eleitos, muitos já tenham abandonado o lugar para concorrer a outras eleições
(autárquicas e europeias) ou porque foram ocupar altos cargos na administração
pública. É preocupante constatar que, entre os 66 cabeças de lista eleitos
pelos vários partidos (aqueles que as pessoas conhecem e que dão a cara), 29,
ou 44%, já tenham abandonado as suas funções. Sendo que ainda falta um ano para
esta Assembleia terminar o mandato.
Admitindo
que há excepções que são aceitáveis, a generalização desta prática é algo que
descredibiliza a política. Ser eleito não deveria ser um fim em si mesmo. Somos
dez milhões e é preciso serem sempre os mesmos a concorrer aos mesmos lugares?
O que é verdade para os deputados também é verdade para presidentes de câmara,
como Jorge Sampaio ou como António Costa, que saíram ou querem sair da
autarquia para voos mais altos. Colocar Fernando Medina, desconhecido da maior
parte dos lisboetas, à frente da câmara é uma desconsideração para os muitos
que votaram em Costa. Por
mais competente que o senhor possa ser.
Não
terminar um mandato deveria ser uma excepção e não uma regra. É esta visão
muitas vezes instrumental e cínica dos cargos e das eleições que ajuda a
descredibilizar a política e os políticos.
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