domingo, 17 de agosto de 2014

Portugal: A POLÍTICA NÃO É UMA AGÊNCIA DE EMPREGOS



PEDRO SOUSA CARVALHO – Público, opinião

É fácil cair na demagogia e no populismo quando se fala de políticos que não cumprem os mandatos para que foram eleitos e de filhos de políticos que são nomeados para cargos de prestígio, não se sabe muito bem como. Como tal, o melhor é atermo-nos aos factos.

Comecemos por Marinho e Pinto, que foi eleito eurodeputado em Maio. Ainda nem teve tempo de aquecer a cadeira e já veio dizer que, afinal, vai candidatar-se às eleições legislativas em 2015. E isso "sem prejuízo de, depois, poder candidatar-me às presidenciais", em 2016. E de, sem prejuízo, imaginamos nós, naturalmente, ele poder também vir a candidatar-se a presidente do condomínio, à presidência do clube de jardinagem lá do bairro ou a outra coisa qualquer.

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados é livre de candidatar-se aos cargos que bem entender. Mas quando os políticos não cumprem os mandatos para os quais são eleitos, e têm uma visão instrumental dos cargos que ocupam, estão a desrespeitar quem os elegeu. Não há outra forma de colocar a questão.

Quem quer ser eurodeputado, deputado e Presidente da República, tudo ao mesmo tempo, apenas está à procura de um palco para aparecer e nada mais. O eurodeputado disse ao Jornal de Notícias que não está em causa defraudar as expectativas de quem votou nele. "Continuo na luta". "A guerra tem várias trincheiras". O que se esperava é que Marinho usasse a trincheira para lutar por aqueles que lá o colocaram e não como trampolim para a trincheira seguinte.

Enquanto não há eleições, o advogado continua em Bruxelas e vai recebendo o salário de 17 mil euros por mês que ele próprio classificou de "vergonhoso". Apesar de criticar o salário que recebe, o advogado nunca prescindiu de o receber: "Sou pobre, preciso do dinheiro, tenho uma filha no estrangeiro", diz, em jeito de justificação.

Por falar em filhos, e fazendo um parêntesis nos políticos que não completam os mandatos, esta semana, o Jornal de Negócios veio noticiar que o Banco de Portugal contratou, por convite e não por concurso, como é habitual, o filho de Durão Barroso, para trabalhar no Departamento de Supervisão Prudencial. É o próprio banco central que admite que a admissão por convite tem um "carácter excepcional" e que está "reservada a candidatos de comprovada e reconhecida competência profissional". A pessoa em causa, segundo o mesmo jornal, tem 31 anos, dá aulas na Católica desde 2012, sendo que, fora do mundo académico, fez dois estágios de Verão.

Não está em causa a competência da pessoa. Ninguém deve ser penalizado só por ser filho de um político conhecido e com influência. Só que, para evitar qualquer leitura maldosa, o Banco de Portugal deveria ter aberto um concurso público. Se o filho de Durão Barroso é tão competente como o convite faz crer que seja, com certeza que não teria dificuldades em superar os outros candidatos que se apresentassem a concurso. É um daqueles casos em que não chega ser, é preciso parecer.

Fechando o parêntesis e regressando ao caso dos políticos que não completam os mandatos, o caso de Marinho e Pinto está longe de ser virgem. Aliás, o próprio Durão Barroso fez escola ao abandonar o cargo de primeiro-ministro para rumar a Bruxelas para ser presidente da Comissão Europeia.

Esta semana, o Diário Económico transformou em números a percepção que vamos tendo que na Assembleia da República há cada vez mais caras desconhecidas do grande público e cada vez mais gente com menos experiência política. Isto porque, dos 230 deputados que foram eleitos há três anos, uma parte substancial já abandonou o Parlamento e foi tratar da vida.

Percebe-se que do partido que ganha as eleições possam sair alguns deputados que vão para o Governo. Já se percebe menos que quem perde saia do Parlamento só porque não conseguiu saltar para o Governo. Percebe-se ainda menos que, entre os 230 eleitos, muitos já tenham abandonado o lugar para concorrer a outras eleições (autárquicas e europeias) ou porque foram ocupar altos cargos na administração pública. É preocupante constatar que, entre os 66 cabeças de lista eleitos pelos vários partidos (aqueles que as pessoas conhecem e que dão a cara), 29, ou 44%, já tenham abandonado as suas funções. Sendo que ainda falta um ano para esta Assembleia terminar o mandato.

Admitindo que há excepções que são aceitáveis, a generalização desta prática é algo que descredibiliza a política. Ser eleito não deveria ser um fim em si mesmo. Somos dez milhões e é preciso serem sempre os mesmos a concorrer aos mesmos lugares? O que é verdade para os deputados também é verdade para presidentes de câmara, como Jorge Sampaio ou como António Costa, que saíram ou querem sair da autarquia para voos mais altos. Colocar Fernando Medina, desconhecido da maior parte dos lisboetas, à frente da câmara é uma desconsideração para os muitos que votaram em Costa. Por mais competente que o senhor possa ser.

Não terminar um mandato deveria ser uma excepção e não uma regra. É esta visão muitas vezes instrumental e cínica dos cargos e das eleições que ajuda a descredibilizar a política e os políticos.

Sem comentários:

Mais lidas da semana