domingo, 17 de agosto de 2014

Portugal: FIM DE CICLO



Paulo Baldaia – Diário de Notícias, opinião

A batalha do Governo com o Tribunal Constitucional (TC), sobre a forma de reduzir o défice público, ameaça hibernar até à próxima legislatura. O TC dá uma no cravo e outra na ferradura, oferecendo ao Executivo os cortes salariais e recusando-lhe o corte nas pensões, e o primeiro-ministro agradece e alinha com os juízes: o ciclo político acabou, quem vier a seguir que resolva.

1 - Os salários da função pública podem ser cortados novamente este ano e no próximo. Fica suspenso o princípio da igualdade e, já agora, o princípio da confiança de quem contratou um ordenado, mais o princípio da equidade. Tudo por causa do procedimento de défice excessivo que, advinham os juízes, não existirá em 2016. Atiram o problema para o próximo governo. Como já aconteceu noutras alturas, há juízes a trocar análise jurídico--constitucional por argumentação política.

2 - A contribuição de sustentabilidade das pensões fica chumbada, por ser permanente mas não configurar uma "verdadeira reforma" já anteriormente exigida pelo TC. Não se percebe que verdadeira reforma fariam os juízes do TC, pois o seu presidente não se inibiu de criticar a reforma que foi feita em 2007 e determinou que os reformados de 2008, com o mesmo nível de descontos de quem se reformou uns meses antes, recebam substancialmente menos. É o que acontece quando o princípio de confiança vale apenas para as os titulares de pensões em pagamento. Passos Coelho tem razão ao lembrar que o TC deveria pensar nisso quando pede solidariedade inter-geracional. Quem agora trabalha está a pagar pensões que, pelo andar da carruagem, não vai receber. O primeiro-ministro diz o que diz e, por isso, se percebe mal que desista de encontrar uma solução que, garante Paulo Portas, seria possível encontrar já para o próximo orçamento.

Estando nós obrigados a fazer caminho e toda a gente interessada em ficar no ginásio a pedalar na bicicleta sem rodas, não se percebe que razões podem assistir ao Presidente da República para manter o calendário político com as legislativas previstas para daqui a mais de um ano. Poupe-se o País a este faz-de-conta e antecipem-se as eleições, evitando misturar legislativas com presidenciais (início de 2016) e dando tempo ao partido que vencer de conversar com o derrotado e preparar um Orçamento que salve Portugal de um novo resgate. Esse será o Orçamento onde terá de estar, por decisão do TC e do primeiro-ministro, a poupança em massa salarial da função pública e na despesa com pensões.

Não aprendemos nada com o que nos aconteceu. Um poder político que perde credibilidade, um poder judicial em quem não se confia e um poder financeiro que mete medo... O que mais nos irá acontecer?

(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

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