Daniel
Deusdado – Jornal de Notícias, opinião
Um
dilúvio não torna António Costa pior presidente de Câmara, futuro
primeiro-ministro ou líder do PS. Choveu em Lisboa e ele não estava lá. E se
estivesse? Essa novela é irrelevante vista daqui a um mês, quanto mais no
quadro da importantíssima legislatura 2015-2019. O futuro tem desafios de
dimensão tal que concentrarmo-nos nos fait-divers é alinhar na mesquinhez do
entretenimento político. E há inúmeras razões para que Costa tome conta do PS
em vez de António José Seguro.
1.
De substancial é preciso dizer que António Costa é melhor candidato contra
Passos Coelho que António José Seguro. Costa tem um perfil radicalmente
diferente (para além das ideias) que o atual primeiro-ministro. Por sua vez,
Seguro é o mesmo jovem líder de uma juventude partidária a chegar ao poder com
escassíssima experiência profissional fora de uma estufa partidária ou de uma
empresa de gente amiga. Costa tem um trajeto consistente e traz eleitores
diferentes a votar - e isso é bom para a democracia.
2.
António Costa bem tentou não pôr Seguro fora dali. Foi preciso paciência e
lealdade (e não calculismo cínico) para não avançar na noite de janeiro de
2013, depois de toda a gente ter percebido à exaustão que Seguro não era
alternativa para ninguém: nem para os portugueses que nunca lhe deram maioria
nas sondagens no pior momento Passos-Portas, nem para Cavaco (quando Portas se
demitiu), nem nas autárquicas, nem mesmo nesse voto de protesto por excelência
chamado europeias. Infelizmente Seguro falhou em todos os "test-drives"
face ao que se lhe exigia - vitórias esmagadoras. Mas contentou-se com o
básico: estar lá, a ganhar por meio a zero, ao mais infeliz Governo das duas
últimas décadas. Ora, não basta querer, é preciso ter algo mais.
3.
António Costa evitou sempre dizer a Seguro nos debates uma coisa simples e
básica: "Tó-Zé, faz qualquer coisa relevante e depois volta para
liderar". Dar umas aulas na universidade, de vez em quando em parceria com
Miguel Relvas, não chega. Ter sido um vago secretário de Estado de Guterres é
pouco. Ter praticado com profissionalismo o caciquismo jotinha é mínimo. Pois
é, leal Seguro: muita palavra, pouca uva. Mas talvez o senhor esteja convencido
de que levar a manipulação das bases do partido ao grau de excelência seja
currículo; e a ajudá-lo, nunca se sabe do que é capaz a máquina basista do PSD
- incluindo subscrever falsamente os princípios do PS e ir votar no
"Seguro de vida de Passos". Por isso esta eleição de domingo não é o
mero espelho de uma sondagem sobre debates na televisão ou intenções de voto de
gente que não vota - e onde Costa ganha sempre. É mais complexa. Representa o
estado da arte do sistema político. E até por isso seria bom que António Costa
ganhasse. Talvez se pudesse confiar a seguir que os militantes, e outros cidadãos,
estão prontos para escolher líderes partidários sem manipulações de secretaria
ou batotas ideológicas dos seus adversários.
4.
Seguro e Costa são muito diferentes nos argumentos contra o PSD-CDS? Obviamente
não. Fazer-se desta campanha interna um momento de clarificação dos
"argumentos e medidas" de Governo, diferenciadores entre os dois, é
como pedir a José Mourinho que discuta com o seu adjunto na televisão a táctica
para vencer o adversário, na véspera de uma final, e este revele em direto
todos os pontos fracos da equipa. Mas foi isto que Seguro quis e conseguiu:
fragilizar brutalmente a credibilidade pessoal do seu adversário de
circunstância, mesmo que isso signifique para o PS perder as eleições
legislativas que se seguem. Terra queimada. Até nisso as noções de lealdade de
Seguro estão trocadas. A sua lealdade com o partido que lhe deu uma
oportunidade é escassa e pessoal. Como facilmente se percebe, é face a Passos
Coelho que Costa (ou Seguro) têm de fazer propostas claras ao eleitorado. Não hoje,
a um ano de distância, num momento em que o Governo já promete descer os
impostos em ano eleitoral e com isso pode baralhar todas as contas do défice de
2015 para quem chegar ao poder.
5.
No domingo haverá resultados. Espero que não ganhe o Santana Lopes do PS.
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