ANA CRISTINA PEREIRA - Público
Regressaram
os relatos de ataques de skins. Fontes policiais garantem que movimento é
pequeno, está fragmentado e que episódios de violência são actos isolados.
Eram
os 40 anos da Revolução de 25 de Abril. Lisboa confluíra para o Largo do Carmo.
Jorge e um amigo tinham estado lá a cantar a Grândola e ido tomar uma
cerveja. Vinham a descer a Rua do Arco de São Mamede. Ele trazia uma faixa
enrolada em dois paus e o amigo uma cana de suporte de bandeira. De repente,
avistaram dois homens encorpados, encostados à parede, na esquina na Rua de São
Bento. “Boa noite, camaradas”, disse o de cabeça rapada, carregando na última
palavra. “O que levam aí?” Jorge só teve tempo de dizer ao amigo: “Vira para
cima!”
Uns
dez metros à frente, naquela que é a rua do Parlamento, estavam quatro pessoas
de roupas escuras. Num tapume de alumínio faziam colagens. Seria um folheto
branco com uma caricatura de Mário Soares e umas quantas palavras soltas que
terminavam com a frase: “Os Nacionalistas Autónomos exigem a punição imediata
de todos os traidores que arruinaram Portugal e os portugueses”.
Pelo
uso da palavra “camarada”, Jorge pensou que estivessem a ser tomados por
militantes comunistas. Quando um deles lhe pediu para ver a faixa, ele reagiu:
“Não mostro!” Era uma faixa Panteras Rosa – Frente de Combate à
LesBiGayTransfobia. Nada agradaria ao que Jorge julgou serem militantes do
Partido Nacional Renovador (PNR), que já tantas vezes se manifestou contra o
casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adopção e a co-adopção por casais
homossexuais.
Eram
perto de duas da manhã. A rua estava pouco iluminada. Só depois, Jorge e o
amigo veriam os panfletos colados pela rua acima. E bastar-lhes-ia uma pesquisa
na internet para perceberem que os Nacionalistas Autónomos andam pela área
metropolitana de Lisboa a colar cartazes e a pintar paredes, declarando-se
anti-antifascistas. Alguns deixam-se fotografar, de costas ou com as caras
tapadas, e exibem as imagens nas redes sociais. E é explícito o seu apoio a
Mário Machado, antigo líder dos Hammerskin, que está perto de sair da prisão e
a tentar fundar um partido.
“Foge”,
disse Jorge ao amigo, atravessando os paus para afastar o interlocutor. O amigo
quis pedir auxílio, mas não conseguiu telefonar. Num instante, os outros quatro
tinham descido a rua e um deles aproximara-se. Um agrediu Jorge por trás, na
cabeça, fazendo-o cair. Segurou-o pelo pescoço com um braço, e tratou de o
esmurrar com o punho que tinha livre. Outro deu-lhe umas joelhadas e uns
pontapés. O amigo tentou picar o que se virara para si com a cana, mantê-lo
afastado, mas o adversário tirou-lhe a cana e deu-lhe um par de caneladas antes
de ele conseguir fugir pela rua abaixo.
O
episódio foi descrito com detalhe a um advogado, mas a queixa nunca chegou às
autoridades. O amigo de Jorge foi protelando a ida à esquadra até o prazo se
esgotar. Tinha demasiado medo do que poderia acontecer quando os agressores
conhecessem o seu nome e a sua morada.
Fontes
policiais contactadas pelo PÚBLICO garantem que o movimento skin é
pequeno e está fragmentado. O último Relatório Anual de Segurança Interna já dá
conta de “um incremento do número de actividades direccionadas para o interior
do movimento, como encontros-convívio e concertos, que contribuem
essencialmente para estreitar laços entre militantes e difundir propaganda”.
As
autoridades mantêm-se vigilantes. Em Julho, por exemplo, até o Serviço de
Informação e Segurança estava num café situado na zona industrial do Soeiro, em São Mamede do Coronado,
na Trofa, para assistir a uma série de concertos de bandas conotadas com o
neonazismo: duas portuguesas, uma britânica e uma francesa. Mas nem tudo lhes
chega aos ouvidos.
Há
uma esquadra da PSP na Rua de São Bento. Talvez isso tenha travado os
agressores quando o amigo de Jorge, lesto, desatou a correr pela rua abaixo.
“Vamos embora”, ordenou um. “Se ele não tivesse conseguido escapar, teria sido
pior”, pensa Jorge. “Conheço quem tenha ficado meses sem se pôr em pé. Eu na semana seguinte
já saí de casa. Estava desfigurado, com dores, mas já fazia a minha vida.” Soma
quase duas décadas de activismo LGBT, mas não conhecia aquele grupo. Queria
apresentar queixa: “Não quero que a polícia, ao próximo ataque, diga que não
conhece a organização.”
São
um pequeno grupo com um blogue que não é actualizado há muito e uma página de
Facebook na qual vai divulgando as suas actividades. Inspiraram-se na Alemanha.
Por lá, os Nacionalistas Autónomos fazem manifestações que lembram os Black
Bloc, enquadrados, mascarados, vestidos de preto. Nada de novo: diz o
historiador Riccardo Marchi que os skins portugueses “sempre
importaram os modelos em moda na Europa”, só que “aqui as coisas sempre foram
mais fracas”. Foi assim, por exemplo, com os Blood and Honour, fundados no
Reino Unido, e com os Hammerskin, que surgiram nos Estados Unidos.
Sem comentários:
Enviar um comentário