PAULO
PENA e JOSÉ ANTÓNIO CEREJO - Público
Em
1999, o actual primeiro-ministro requereu o subsídio de reintegração, de cerca
de 60 mil euros, destinado a deputados em dedicação exclusiva. Na altura,
apresentou no Parlamento todos os rendimentos declarados ao fisco, para provar
a “exclusividade”. Ali não há nenhuma referência à Tecnoforma ou ao CPPC.
Enquanto
foi deputado, na década de 90, Pedro Passos Coelho só preencheu o “anexo B”, do
IRS, em três anos. Entre 1991 e 1999, apenas declarou ao fisco rendimentos de
trabalho “independente” em 1996, 1997 e 1999. Todas essas verbas, somadas, não
chegam a 25 mil euros (4.825 contos, na moeda antiga).
Esse
dinheiro, recebeu-o “unicamente de colaborações várias com órgãos de
comunicação social, escrita e radiofónica”. Foi isto que o deputado Pedro
Manuel Mamede Passos Coelho escreveu, num requerimento endereçado ao presidente
da Assembleia da República, o socialista António Almeida Santos, a 27 de
Outubro de 1999, três dias depois de deixar São Bento.
Todo
o requerimento assenta numa só questão: Passos Coelho garante “que desempenhou
funções como deputado durante a VI e VII legislaturas, em regime de
exclusividade”. E tenta prová-lo, nomeadamente através da garantia de que não
recebeu qualquer outro vencimento fixo entre 4 de Novembro de 1991 e 24 de
Outubro de 1999, nos anos em que exerceu o seu mandato político. Mais: Passos
Coelho, “por cautela”, consultou a Comissão de Ética do Parlamento para se
assegurar de que as colaborações com a imprensa e a rádio não eram
incompatíveis com o regime de exclusividade.
Estes
factos, públicos, que podem ser consultados nos arquivos oficiais, não
impediram a secretaria-geral do Parlamento de garantir à Lusa que o actual
primeiro-ministro não teve “qualquer regime de exclusividade enquanto exerceu
funções de deputado”. Uma afirmação que contraria uma evidência. Foi o mesmo
Parlamento que em 2000 concluiu que Passos Coelho exercia, de facto, o seu
mandato em exclusividade, tal como o próprio tinha declarado.
Em
31 de Maio de 2000, Almeida Santos aceitou os argumentos do seu gabinete de
auditoria jurídica e concedeu a Passos, sete meses depois do pedido, o subsídio
de reintegração reclamado: cerca de 60 mil euros, referentes a 15 meses e 167
dias de vencimento. Este valor correspondia, conforme estipulava a lei 26/95, a
um mês de salário por cada seis meses de mandato de deputado em exclusividade.
Metade
desse valor respeitava ao primeiro mandato de Passos Coelho (1991-1995),
relativamente ao qual a lei então em vigor concedia a todos os deputados, em
exclusividade ou não, o direito ao subsídio de reintegração. Uma alteração à
lei aprovada em 1995 fez com que, a partir daí, tal subsídio ficasse reservado
aos eleitos em exclusividade.
O
PÚBLICO tentou, desde a manhã de segunda-feira, confirmar estes factos com o
secretário-geral do Parlamento, Albino de Azevedo Soares, ex-secretário de
Estado de um Governo do PSD. Em concreto, foi solicitado àquele responsável que
confirmasse se Passos Coelho integrava a lista dos ex-deputados que, em 1999,
receberam o subsídio de reintegração (uma regalia que terminou em 2006). Horas
depois, após o esclarecimento do gabinete do secretário-geral, foi enviado um
novo e-mail sobre a contradição entre a versão tornada pública pelo Parlamento
e aquela que o PÚBLICO agora divulga. Azevedo Soares e os seus dois adjuntos
estiveram, ao longo do dia, permanentemente “em reunião”, indisponíveis para
responder.
Também
Pedro Passos Coelho recusou, por duas vezes, esclarecer se recebeu o subsídio
de reintegração. O seu gabinete aconselhou o PÚBLICO a “contactar os serviços
do Parlamento, que estarão certamente capacitados para tratar de assuntos
relacionados com deputados e ex-deputados”.
Contradições
da exclusividade
Afinal qual é a importância de Passos Coelho ter estado ou não em exclusividade na Assembleia da República entre 1995 e 1999? A resposta é simples: se esteve em exclusividade não podia ter recebido qualquer pagamento pelo exercício de actividades profissionais exteriores ao Parlamento. E se não esteve em exclusividade, como disse esta segunda-feira o secretário-geral do Parlamento, isso quer dizer que recebeu indevidamente cerca de 30 mil euros, correspondentes a parte do subsídio de reintegração que requereu e foi aceite.
Mas
se for verdade que recebeu cinco mil euros por mês da empresa Tecnoforma, entre
1997 e 1999, para desempenhar as funções de presidente do Centro Português para
a Cooperação (CPPC) — uma organização não-governamental criada por aquela
empresa para lhe angariar financiamentos internacionais —, então o problema é
bastante mais complicado: terá violado as regras da exclusividade e terá
incorrido num crime fiscal por não ter declarado tais rendimentos nas suas
declarações de IRS.
A
referência aos pagamentos alegadamente feitos pela Tecnoforma, empresa de
formação profissional de que Passos Coelho foi consultor a partir de 2002, e
mais tarde administrador, surgiu na revista Sábado, que noticiou na semana
passada o facto de o Ministério Público estar a investigar uma denúncia nos
termos da qual o actual primeiro-ministro recebeu cerca de 150 mil euros
naqueles três anos para dirigir o CPPC, estando em exclusividade.
Já
em 2012 Passos Coelho tinha-se recusado a responder a uma pergunta do PÚBLICO
sobre se tinha recebido alguma remuneração pelo cargo que desempenhara na
organização. Respondeu a todas as outras perguntas, menos a essa.
Este
fim-de-semana não negou que tivesse recebido os valores referidos pela Sábado,
limitando-se a dizer — como fez hoje ao PÚBLICO, ao ser confrontado com o facto
de ele próprio ter declarado à Assembleia da República que tinha estado em
exclusividade — que “mantém a convicção de que sempre cumpriu as suas
obrigações legais”.
No
entanto, as declarações feitas na quinta-feira ao PÚBLICO pelo antigo patrão da
Tecnoforma, Fernando Madeira, no sentido de que Passos Coelho receberia
efectivamente retribuições da Tecnoforma pelos serviços prestados ao CPPC, vão
no mesmo sentido da denúncia feita ao MP.
O
que as declarações de IRS que entregou em São Bento para receber o subsídio de reintegração
provam é que Passos Coelho não declarou ao fisco qualquer outro rendimento que
não fosse o vencimento de deputado e os cerca de 24.100 euros (4.825 contos)
que recebeu pelas suas colaborações em vários órgãos de comunicação social. Ou
seja: se recebeu algum dinheiro da Tecnoforma naquele período cometeu um crime
de fraude fiscal. Crime que estará prescrito há vários anos.
Passos
Coelho nunca inscreveu no seu registo de interesses da Assembleia da República,
como estava obrigado a fazer, o facto de ter presidido ao CPPC desde 1997. Na
declaração de rendimentos que entregou no Tribunal Constitucional em 1995, no
início do mandato, não mencionou quaisquer rendimentos que tivesse obtido no
ano anterior, o último do seu primeiro mandato de deputado. No final desse
mandato, em 1999, não apresentou a declaração de rendimentos a que a lei o
obrigava, só voltando a satisfazer essa imposição legal quando assumiu a
direcção do PSD em 2010.
"Não
tenho presente todas as responsabilidades que desempenhei há 15 anos, 17 e 18.
É-me difícil estar a detalhar circunstâncias que não me estão, nesta altura,
claras […] era importante que o próprio Parlamento pudesse esclarecer",
pediu o actual primeiro-ministro. No mesmo sentido, António José Seguro, do PS,
disse aguardar que “o Parlamento rapidamente preste os esclarecimentos que o
primeiro-ministro entendeu não dar e remeter para o Parlamento”. Também
Catarina Martins, do BE, assinalou que “foram feitas afirmações
extraordinariamente graves sobre o primeiro-ministro […]o normal é que o
primeiro-ministro as esclareça”. O ex-líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa,
disse confiar na palavra do primeiro-ministro: “Eu acredito quando ele diz que
não tinha noção que estava a violar a lei.”
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