Durão
Barroso, o mordomo das Lajes, qualificou os dinheiros que Portugal alegadamente
receberá da UE até 2020 com uma prova de “solidariedade”. Esqueceu-se de dizer
que em três anos sairá do País aquilo que supostamente a UE “solidariamente”
para cá mandará ao longo de sete anos. Só em juros.
Durão
Barroso, inspirado pelos ares da «silly season» e empenhado ele próprio em
fazer da season ainda mais silly, resolveu dar um ar de sua (consabidamente
pouca) graça ao afirmar, na passada semana, que os 26 mil milhões de euros que
alegadamente Portugal receberá da UE até 2020 são «uma pipa de massa» (sic) –
que deve calar «aqueles que dizem que a União Europeia não é solidária com
Portugal».
Cumpridos
dez anos de serviço na Comissão Europeia, o mordomo das Lajes regressa às
inspiradas tiradas que fizeram dele, no dizer de sua senhora, o cherne.
Encómios familiares à parte, falemos, pois, desta «solidariedade europeia» a
que alude Barroso.
O
Acordo de Parceria assinado entre o governo português e a Comissão Europeia
enquadra a utilização dos fundos da UE por Portugal no período 2014-2020.
Estamos a falar de um envelope financeiro de cerca de 21 mil milhões de euros
de «fundos estruturais e de investimento», mais quatro mil milhões de euros
para o desenvolvimento rural e 392 milhões para as pescas. No total, perto de
26 mil milhões de euros. Cerca de dez milhões de euros, por dia, durante sete
anos. Uma valente «pipa de massa», pois.
Quase
tanta como aquela que sairá do País (leia-se do suor e dos bolsos dos
portugueses) durante o mesmo período, com destinos diversos, incluindo os
cofres da UE e de vários dos seus países. Senão vejamos:
Durante o ano que corre pagaremos cerca de sete mil milhões de euros em juros da dívida pública. Esta é parte de uma dívida que cresceu, quer estrutural quer conjunturalmente, na componente pública como na privada, à sombra das políticas da União Europeia. Da destruição do aparelho produtivo nacional à viabilização da especulação sobre as dívidas soberanas, passando pela amputação de determinantes parcelas de soberania económica. Tudo ajudou. Solidariamente. O resultado: este ano serão sete mil milhões de euros pagos de juros. Dezanove milhões de euros por dia – uma pipa bem maior, convenhamos, do que a pipa de Barroso. Em 2015, será mais: cerca de 22 milhões de euros por dia – o dobro da pipa de Barroso. Ou seja, em três anos, mais coisa menos coisa, sairá do País aquilo que supostamente a UE solidariamente para cá mandará ao longo de sete anos. Só
Os
dados são do Banco de Portugal: entre 2007 e 2013, período do anterior Quadro
Financeiro Plurianual da UE (em Portugal, do chamado QREN), Portugal recebeu
cerca de 33 mil milhões da UE. Uma «pipa de massa» da qual se deve descontar o
que o próprio País pôs nos cofres da UE (já que, como qualquer um dos outros 28
estados-membros, também contribuímos para o orçamento da UE): 12,6 mil milhões.
O saldo foi positivo, portanto, em cerca de 20,7 mil milhões. Mas falamos
apenas de transferências orçamentais. Uma parte da história. Queira alguém
contar a história toda e terá de acrescentar que no que se refere aos juros,
lucros e dividendos distribuídos, entraram no País cerca de 30 mil milhões de
euros entre 2007 e 2013. E no mesmo período saíram perto de 60 mil milhões. Um
saldo negativo para Portugal (e inversamente positivo para a UE) de cerca de 29
mil milhões de euros, que supera portanto o saldo das transferências
orçamentais. Dito de outra forma, no deve e haver das relações financeiras
entre Portugal e a UE, nos últimos sete anos já saiu mais dinheiro do que
aquele que entrou no País. Tendência que se acentuará previsivelmente nos
próximos anos, por razões diversas: por um lado, a sangria de recursos – sob a
forma de juros, lucros e dividendos que saem para o exterior – acentuar-se-á;
por outro lado, o dinheiro que vem do orçamento da UE é menos do que aquele que
veio entre 2007 e 2013.
Além
disso, o efectivo recebimento da “pipa de massa” de Barroso está condicionado
(de uma forma que até aqui não acontecia) ao cumprimento de regras, ditas de
«condicionalidade macroeconómica», impostas pelas principais potências da UE –
e aceites no Parlamento Europeu pelos deputados do PSD, do CDS e do PS. Ou
seja, a «pipa de massa» efectivamente virá se e só se for escrupulosamente
cumprido o cardápio de medidas de «austeridade» a aplicar ao longo dos próximos
anos.
Cardápio
que assegura, afinal de contas, que os Barrosos e Moedas de serviço tenham
assegurado o respectivo quinhão da outra «pipa de massa», bem maior do que
aquela de que nos falou Barroso – a que todos os dias continua a sair de cá
para lá…
*Este
artigo foi publicado no “Avante!” nº 2123, 7.08.2013
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