Folha
8, 27 setembro 2014
O
advogado e activista social David Mendes classificou a revogação da promoção a
brigadeiro de um dos alegados autores do homicídio de dois opositores do regime
angolano (Alves Kamulingue e Isaías Cassule) como “um sinal de que as coisas
estão a mudar” no país. Será?
“Este
gesto do Presidente [revogação da promoção] é um sinal de que as coisas estão a
mudar e vão continuar a mudar. É um sinal claro do Presidente para algumas
pessoas, que pensavam que estariam impunes, de que a era da impunidade está a
terminar”, afirmou David Mendes.
O
advogado e membro da associação angolana “Mãos Livres” representa neste
processo as famílias das duas vítimas, assassinadas por elementos da Polícia
Nacional e dos Serviços de Informação.
Tal
como o Folha 8 desenvolve nesta edição, o Presidente José Eduardo dos Santos
revogou a promoção a brigadeiro de um dos acusados dos crimes de rapto e homicídio
dos dois homens, pedindo explicações ao Chefe do Estado Maior das Forças
Armadas, general Geraldo Sachipengo Nunda.
Essa
promoção levou o Tribunal Provincial de Luanda (TPL), a 08 de Setembro, a
declarar-se incompetente para continuar com o julgamento, uma semana depois de
iniciado.
Alves
Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados na via pública, em Luanda, nos dias
27 e 29 de Maio de 2012, quando tentavam organizar uma manifestação de veteranos
e desmobilizados contra o Governo do Presidente angolano, José Eduardo dos
Santos.
À
data do crime, António Manuel Gamboa Vieira Lopes – um dos sete suspeitos que
continuam em prisão preventiva à conta deste processo, de rapto e homicídio –
exercia funções de chefia no Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado,
em Luanda.
Numa
ordem assinada pelo Comandante-Em-Chefe e Presidente da República de 22 de
Setembro, além da revogação da promoção é ainda determinada a abertura de uma
investigação à instrução daquele processo por, à data, Vieira Lopes já se
encontrar detido. A mesma ordem considera “inconveniente e inoportuna” a promoção,
concedida a 27 de Maio de 2014, ao grau militar de brigadeiro.
“Eu
acho que o Presidente foi sensato. Nós, desde o primeiro dia, pedíamos uma
explicação sobre como é que isso [promoção, com o suspeito detido] aconteceu. E
acredito que a forma de o Presidente demonstrar que não está vinculado, que
terá acontecido um erro, é anular o seu próprio despacho”, sublinhou o
advogado David Mendes.
Por
se tratar de um oficial general – devido à promoção – e por isso sujeito à
Justiça Militar, o TPL declarou-se incompetente para continuar com o julgamento
deste caso, remetendo-o para o Tribunal Supremo.
De
acordo com o advogado David Mendes, com esta revogação da promoção, o processo
“perdeu qualidade” para ser julgado naquela instância superior, regressando
ao TPL.
“Fico
muito satisfeito com o que aconteceu. Isso também é reflexo que a nossa acção
[associação “Mãos Livres”], a nossa luta dos últimos anos, está a surtir
efeito. Começamos a assistir agora a um distanciamento do Presidente de alguns
comportamentos que certas pessoas, usando das possibilidades e cargos que
possuem, tentavam fazer passar por impunes”, enfatizou o advogado.
Em
comunicado de Dezembro de 2013, aquando das primeiras detenções, a
Procuradoria-Geral da República angolana referiu que os dois ex-militares
terão sido assassinados por agentes da Polícia Nacional e da Segurança do
Estado. Os corpos dos dois homens nunca foram recuperados.
Imagem:
da capa de Folha 8 (parcial selecionada por PG)
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