quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Portugal: SUBMARINOS. JUSTIÇA AUTISTA



Luís Rosa – jornal i, editorial

Ao ficar em silêncio, a PGR ignora a estupefacção geral perante a revelação de que os Espírito Santo receberam comissões dos submarinos

As revelações da investigação do i sobre as comissões dos submarinos pagas à família Espírito Santo mereceram uma frase-chavão da Procuradoria-Geral da República (PGR): “Os inquéritos relacionados com o denominado universo Espírito Santo encontram-se em segredo de justiça.” A declaração da porta-voz da PGR nada diz sobre se os factos revelados pelo i estão a ser investigados. 

A cúpula do Ministério Público prefere refugiar--se no formalismo de não poder comentar processos que estão em segredo de justiça a tranquilizar os cidadãos.

A PGR parece ignorar a estupefacção geral com a revelação da discussão aberta entre os clãs da família Espírito Santo sobre o pagamento de comissões no processo dos submarinos. Nenhum cidadão comum pode perceber a indisponibilidade da justiça para dar uma mostra pública de que tal matéria já está a ser escrutinada. O silêncio da justiça acaba por transmitir a imagem da normalidade de tais situações quando seria perfeitamente possível, como aconteceu regularmente no tempo dos procuradores-gerais Fernando Pinto Monteiro e Souto Moura, confirmar publicamente que a justiça está a atenta e já agiu. Para o reforço da credibilidade da justiça é tão importante respeitar os direitos dos cidadãos como mostrar à comunidade que os comportamentos duvidosos são rapidamente esclarecidos. É impossível existir osentimento de que vivemos numa sociedade justa, em que os prevaricadores são censurados, enquanto a justiça continuar a ignorar regras básicas de comunicação com a comunidade que supostamente serve.

Outra questão é o inquérito dos submarinos propriamente dito. É um daqueles processos que nasceram tortos, e parece que jamais se vai endireitar. Os primeiros indícios foram recolhidos em escutas telefónicas no caso Portucale, em 2005, mas apenas no ano seguinte foi aberto um processo autónomo. Há mais de oito anos, portanto, que existem suspeitas de corrupção, tráfico de influências e branqueamento de capitais sobre uma aquisição que custou mais de 840 milhões de euros ao Estado português. E há mais de oito anos que o DCIAP, o departamento mais preparado para combater a criminalidade económica e financeira mais complexa, continua sem chegar a lado nenhum. Oito anos é demasiado tempo. Está na altura de começar a chegar a algum lado. Nem que seja a uma decisão final de arquivamento.

A segunda parte da investigação que hoje publicamos revela que a família Espírito Santo tinha consciência de que a Escom poderia ter pago comissões a terceiras pessoas. Não são referidos nomes nem cargos políticos, mas Ricardo Salgado afirmou em pleno Conselho Superior do Grupo Espírito de Santo que os administradores da Escom teriam entregue uma parte dos 15 milhões de euros a alguém. O DCIAP sempre desconfiou que esse “alguém” é ou são titulares de cargos políticos. Está na altura de clarificar de vez a questão, como já aconteceu na Alemanha e na Grécia.

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