Luís
Osório – jornal i, editorial
Não
se pode brincar, usar e chantagear quem sofre mais que a conta
A
decisão do governo de impor que as autarquias ajudem a financiar o Fundo de
Apoio Municipal fez nascer uma revolta que se prepara para sair dos corredores
das câmaras e atingir mais uma vez os elos mais frágeis da sociedade. Pedro
Rainho explica hoje no i: “Autarquias saudáveis obrigadas a fazer cortes e
aumentar impostos para ajudar as falidas”. É o que afirmam Basílio Horta
(Sintra), Guilherme Pinto (Matosinhos), José Maria Costa (Viana do Castelo) e
Carlos Pinto de Sá (Évora). Presidentes que não estão dispostos a ser os justos
que pagam pelos pecadores; presidentes que, também por isso, ameaçam com o fim
de uma parte importante dos apoios sociais e o aumento dos impostos municipais.
Argumentos justos. E chocantes.
Parece
um paradoxo, mas vamos por partes. Faria mais sentido ser o governo a suportar
os milhões que as câmaras saudáveis terão de disponibilizar. Por uma questão de
justiça, de moral, de regulação e de lógica – pode chegar-se ao extraordinário
absurdo de as “cidades” cumpridoras ficarem com a corda na garganta por
ajudarem as que não o são. No limite, em vez de se resolver o estrangulamento
financeiro das câmaras em bancarrota, provocam-se com esta tentativa de cura
mais situações de incumprimento dos que antes honravam os compromissos. Faz pouco
sentido.
Porém,
a razão dos autarcas cumpridores perde-se na espuma do que anunciam: aumento de
impostos e cortes dos apoios sociais. Sobretudo os três socialistas,
presidentes em Sintra, Matosinhos e Viana, são claros e taxativos nessa
intenção. Mais pobres sem apoio básico, carga fiscal em quem já não pode pagar
mais um euro que seja, mais desespero e todo o cardápio que possa ajudar o
governo a perceber que não se brinca com coisas sérias. Guerra é guerra. Mas
com ferro se mata e se morre. Porque não se pode mesmo brincar com coisas
sérias, brincar com pessoas que sofrem mais que a conta, com gente que precisa
de ser apoiada pelas câmaras nos albergues, nas instituições de solidariedade,
nas creches, às portas das igrejas. Essas pessoas existem e não podem ser pasto
para chantagem políticas; não é justo e ainda é mais injusto por cada um desses
autarcas ser socialista, partido cuja base identitária assenta na solidariedade
e no apoio aos desfavorecidos. Os senhores presidentes poderiam ter anunciado
cortes na cultura, nas obras camarárias, no que lhes apetecesse, mas escolheram
deliberadamente frisar que estão disponíveis para fazer sofrer os mais frágeis.
Para que o governo recue na sua injusta demanda. Também não é justo. Se
pensarem melhor, chegarão a essa conclusão. À conclusão de que é um princípio
idêntico aos que colocam alvos humanos nos lugares que não convém serem
bombardeados. Não se faz. Mil vezes não se faz.
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