segunda-feira, 6 de outubro de 2014

VIOLÊNCIA ARMADA AUMENTA NA LÍBIA



Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião

Os violentos combates registados pelo controlo da cidade de Benghazi vêm arrefecer algum entusiasmo que se havia instalado na Líbia depois de um mês de alguma tranquilidade e que deixava perceber que o caminho da normalidade havia sido reencontrado.

Porém, a verdade é que nos últimos dias o recrudescer da intensidade dos combates travados pelas forças especiais líbias, aliadas ao antigo general Khalifa Haftar com o objectivo de desalojar as diferentes milícias armadas que tomam conta da segunda mais importante cidade do país, deita por terra tudo aquilo que se tinha, com algum optimismo, dado como certo e adquirido.

Só num dia, segundo fontes independentes, terão morrido nesses combates mais de 30 pessoas, na sua maioria civis inocentes que ficaram no meio do fogo cruzado e sem lugar seguro para onde fugir.

As mesmas fontes adiantam não ser por uma mera coincidência que este novo aumento do índice de violência surge numa altura em que acabava de ser constituído um novo governo, que as milícias e o povo não reconhecem e que o truculento antigo general Haftar diz ser formado por um “grupo de fantoches sem qualquer poder”.

Este antigo general do exército, que se refugiou nos Estados Unidos depois do assassinato de Muammar Kadhafi, em 2011, conseguiu conquistar o apoio das forças especiais que deveriam estar ao lado do governo mas que, na verdade, possuem um programa paralelo e que se pode resumir pela tentativa de ocupar o poder.

É por via disso, que o referido antigo militar recorre habitualmente a um discurso onde tenta colar os sucessivos governos a algumas das milícias armadas, na tentativa de evitar que o poder seja ocupado pelo povo que ele, logicamente, mas sem qualquer respaldo objectivo, diz representar.

A situação na Líbia é de tal modo confusa que, actualmente, existem em funções dois governos e dois parlamentos. Um governo e um parlamento eleitos em Junho e empossado no mês seguinte e coabitam com um outro governo e um outro parlamento que, surpreendentemente, se recusaram a abdicar perante a incapacidade do Tribunal Constitucional actuar, uma vez que também ele se encontra inoperativo, por falta de quórum, há mais de um ano.Como se tudo isto não bastasse e para complicar ainda mais as coisas, nos últimos dois meses a Líbia tem sido cenário da intervenção militar de forças estrangeiras que, consoante os seus interesses estratégicos, se dividem em ataques contra as forças internas que actuam no terreno.

Muito notados têm sido os ataques que aviões dos Emiratos Árabes Unidos, baseados no Egipto, efectuam contra posições eventualmente ocupadas por milícias hostis ao governo líbio na cidade de Tripoli.

Esses ataques, que têm muito pouco de cirúrgicos, que terão ocorrido entre os dias 18 e 23 de Agosto, destruíram alguns bairros anteriormente ocupados por membros do governo do coronel Kadhafi e que agora serviam de abrigo a uma das milícias que lutam pelo controlo da cidade.

Temos pois que, neste momento, o epicentro da violência está localizado nas duas principais cidades do país, Tripoli e Benghazi, onde também existem informações de que elementos estrangeiros poderiam estar a lutar ao lado das milícias para se opor aos desígnios de Khalifa Haftar. A população, que nada tem a ver com a guerra, escapa como pode e, na maior parte das vezes, é vítima do fogo cruzado que ninguém consegue deter, sendo de sublinhar o facto das principais embaixadas ocidentais estarem encerradas depois de terem evacuado o seu pessoal para lugares mais seguros.

A coligação ocidental que conspirou para matar Muammar Kadhafi, sendo directamente culpada pela actual situação de instabilidade, acompanha de longe o desenrolar dos acontecimentos e apoia, de forma cada vez menos discreta, aquilo que tem sido a actuação do antigo general.

Deste modo, estranhamente, Estados Unidos, Inglaterra, França e seus aliados árabes, apoiam aquele que foi um dos homens fortes do exército de Kadhafi e que agora luta para instaurar um regime militar sob o pretexto – que ninguém sabe se não passa disso mesmo – de evitar que as milícias armadas ocupem o poder. Deste modo, os civis que apoiaram essa coligação na luta para desestabilizar a Líbia estão a ser votados a um ostracismo total, tendo toda a razão para se sentirem enganados pelo não cumprimento das promessas que lhes foram feitas na altura em que o importante era decepar todo o regime do coronel Kadhafi.

Enrolados que foram os tapetes vermelhos que lhes foram estendidos nas visitas que na altura fizeram a Washington, Londres e Paris, resta agora a esses esporádicos dirigentes tentarem impor, a força de si mesmos, um poder e um governo que ninguém respeita para manterem a ilusão de governarem um povo que não lhes reconhece qualquer direito de estar no poder.

Tudo aquilo que se vem passando na Líbia desde 2011, se interpretado como uma boa lição de vida para todo o continente africano, constitui um excelente exemplo do que ao longo dos anos tem sido a actuação oportunista e desvairada de forças que não sabem como controlar os fogos que elas própria atiçam e que, invariavelmente, consomem a vida a milhares de pessoas inocentes e sem qualquer possibilidade de se defenderem.

Leia mais em Jornal de Angola
A defesa do consumidor – editorial

Sem comentários:

Mais lidas da semana