Expresso
das Ilhas (cv), editorial
Nas
últimas semanas sucedem-se por todo o país inaugurações diversas que são
cobertas ao pormenor pelos órgãos de comunicação públicos da rádio e televisão.
O PM, sempre acompanhado de vários membros do governo e de uma grandeentourage,
já em várias ilhas inaugurou apartamentos do programa de casa para todos,
estradas, barragens. Fez vários lançamentos de primeira pedra, prometeu
estudos, entregou habitações. Ministros também apareceram a entregar animais e
ração, outros a presentearem pessoas idosas e vulneráveis com cartões de pensão
e ainda outros a prometeram crédito ou acesso a crédito. Todas as actividades
parecem boas sejam elas conferências, fóruns, workshops, visitas para os
membros do governo se mostrarem.
O
PM prometeu, em Santo
Antão trabalhar de “sol a sol”. Certamente que as pessoas
gostariam de ver resultados mais palpáveis do que as obras, algumas majestosas
em dimensão e também em custo, que vêem o governo a inaugurar. A realidade é
que a vida das pessoas é cada vez mais precária, a economia arrasta-se num
ritmo de crescimento demasiado baixo, a ameaça da deflação paira no ar e do
governo só se nota o esforço extraordinário em envolver as pessoas num abraço
apertado de dependência. Tudo o que é solidariedade do Estado, ou seja da
comunidade nacional, para com os mais vulneráveis é transformado numa relação
pessoal quase íntima em que que o cidadão “recipiente” fica em posição de
dívida para com o “benfeitor”. Ninguém sabe como depois conciliar esse espírito
constantemente alimentado de dependência, conformismo e passividade com o
empreendedorismo que se quer promover nas escolas e está a pedir-se a todos
para assumir e ser força motriz da economia nacional.
O
surreal em muitas destas acções também se viu na estranha escolha de S. Antão
como palco para o PM distinguir com medalha de mérito delegados do ministério
de agricultura de todos os concelhos rurais do país. De facto, a Ilha não é
propriamente um caso de sucesso das políticas agrícolas do governo. O que nela
se pode constatar contraria frontalmente a visão apresentada pelo PM de que a
agricultura é um “sector atractivo que vem repercutindo fortemente no
crescimento do mundo rural”.
Com
as parcas chuvas deste ano, a vulnerabilidade extrema de boa parte da população
de S. Antão voltou a mostrar-se, como acontecia no passado. Sabe-se que perde
população todos os dias, em particular jovens que deixam os campos e rumam em direcção São Vicente ,
Praia, Sal ou Boavista à procura de algum emprego ou ocupação. O embargo na
exportação de produtos agrícolas, há mais de trinta anos, ainda que menos
severo por causa do centro de expurgo, continua a ser um grande travão ao
desenvolvimento. Uma saída viável para muitos seria a exportação do grogue. Por
não ser perecível, não sofrer com o embargo e ter um mercado nacional e
estrangeiro potencialmente valioso podia ser o produto derivado da produção
agrícola capaz de compensar algum investimento feito na agricultura. Mas, nem
isso acontece. A quase total falta de regulação no sector ajuda o “mau” grogue
a impor-se em detrimento do “bom” grogue. Ao prejuízo directo que daí resulta
ainda se associam outros custos, designadamente sociais, de perda de
produtividade, fiscais e de saúde.
O
que se passa em S. Antão
não é muito diferente do que acontece nas outras ilhas rurais. As políticas
agrícolas deparam-se, na sua execução, com os mesmos os problemas, entre eles
os de transporte, de exiguidade do mercado e de falta de regulação na produção
e na distribuição. Enormes investimentos são feitos em estradas, barragens, sistemas
de rega gota a gota, mas os retornos são diminutos. Quando surge um
constrangimento extra, como actualmente a falta de chuvas, sentem-se
imediatamente os efeitos que deixam a claro a fragilidade da existência. Por aí
vê-se que não devia haver razão para muito regozijo e para actos que mais
parecem homenagear quem dá as medalhas do que quem as recebe.
O
surreal parece ter substituído o real. Défices e dívidas excessivos nos outros
são desvalorizados entre nós. Diz-se com satisfação que o país está a crescer
0,5% do PIB. O risco de deflação é tomado com leveza. Até se diz que o FMI
falhou nas previsões porque não viu os números das exportações. A proximidade
das eleições poderá dificultar ainda mais o contacto com a realidade. As
consequências virão no day after.
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