segunda-feira, 24 de novembro de 2014

EMBRULHADA À PORTUGUESA



Benjamim Formigo – Jornal de Angola, opinião

As embrulhadas portuguesas não cessam no domínio da Justiça e com a activa cooperação dos media ávidos de vender papel ou de ultrapassar a audiência rival.

Qualquer pessoa mal-intencionada diria que existe entre o sistema judicial (e policial) e alguns órgãos de informação um canal de comunicação que coloca fotógrafos, televisões e jornalistas nos locais certos a horas perfeitamente correctas.

O caso do momento é obviamente a detenção do ex-Primeiro-Ministro José Sócrates, por uma panóplia de alegados crimes, em frente às câmaras de duas estações de televisão. Quem nessas estações decide a agenda, marca os serviços e requisita os meios para exteriores parece ter adivinhado que José Sócrates ia ser detido por uma equipa “multidisciplinar” por alegados crimes presumivelmente cometidos enquanto chefe do Governo assim que desembarcasse em Lisboa.

Devo confessar, por dever de lealdade com o leitor, que o antigo PM nunca me inspirou qualquer simpatia nem qualquer animosidade. Poucas vezes terei concordado com ele, se alguma vez o fiz, e marcou-me a forma como nas primeiras eleições presidenciais que levaram Cavaco Silva à presidência promoveu a candidatura de Mário Soares. Se não o tivesse feito talvez hoje o Presidente português fosse Manuel Alegre.

Esclarecido este detalhe foi chocante assistir quase em directo à detenção de José Sócrates. Uma das televisões até tinha em estúdio, já passava da meia-noite, o director de informação que assumiu o lugar de comentador. Os concorrentes tentavam acompanhar o canal mais permeável a fugas de informação que só podem ter origem ou a alto nível na Policia ou no Ministério Publico.

Se José Sócrates será ou não condenado por, pelo menos um, dos crimes de que se fala, até ao momento em que escrevo não está formada acusação nem ele constituído formalmente arguido, embora seja tratado como tal pelos media, é perfeitamente secundário. 

A condenação na opinião pública está feita a partir de fugas de informação, verdadeiras ou parcialmente verdadeiras ou meras presunções. Uma nova forma de justiça popular pouco dignificante. Nada disto porém é novo, como disse. Em 1999 o Professor Diogo Freitas do Amaral insurgiu-se contra as fugas de informação que só podiam ter origem na Procuradoria-Geral da Republica, sendo ameaçado de um processo pelo então Procurador-Geral Cunha Rodrigues. Freitas do Amaral não alterou uma vírgula ao discurso e o processo nunca surgiu.

Dirigentes e políticos angolanos por força da permeabilidade da legislação portuguesa foram acusados publicamente de vários alegados crimes. Queixas apresentadas por cidadãos angolanos graças a essa permeabilidade jurídica foram objecto de instrução de processos que não tinham pernas para andar. Contudo essas acusações foram parar a algumas redacções de jornais que não hesitaram na publicação de artigos difamatórios contra políticos de um país soberano para onde muitas empresas portuguesas correram quando, e só quando, tiveram a certeza de que não voltava a haver confrontos. Quantas empresas portuguesas operavam em Angola durante a guerra? 

Hoje passados os perigos correram para Angola beneficiando dos incentivos dados ao investimento estrangeiro. Não vêm investir a não ser através dos créditos que contratam à banca angolana, tentam fugir ao Fisco, ficar com as retenções dos trabalhadores, esquivam-se à Segurança Social e algumas pequenas construtoras até, pasme-se, escrevem nos contratos de trabalho menos do que pagam justificando contabilisticamente o restante com “documentos” de “aquisição de materiais” no mercado paralelo. 

Estas tácticas adoptadas inicialmente pela Policia e mais tarde pelo próprio Ministério Publico são de facto a negação da Justiça. Qual é o objectivo de deter alguém com as televisões à espera? Qual a razão porque contra governantes angolanos podem ser levantados inquéritos em Portugal? Garante-se em praça pública uma condenação que pode ser duvidosa ou impossível em Tribunal, mesmo que a imagem do país possa ser posta em causa.

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